sexta-feira, 21 de agosto de 2009

A velha agenda em Madri IV

Cúpula. Mania de olhar para o alto e contemplar cúpula, teto: a parte do alto, o mais alto e de todos os lugares, os de ontem em Lisboa e os de hoje em Madri, ou de lá, exatamente aquele lugar do teto de cada um, quando os dias se tornam noites e as noites o dia em suas diversas metáforas e conotações. Penso: o alto, o mais elevado, aquele instante de buscar, encontrar a palavra do alto, o Alto, quando articulamos o ser em busca do sentido ideal; fechar a lacuna, a palavra exata que chega, que não vem; o alívio ou o nunca, nunca: jamais a hora certa, que pode estar bem ali diante dos olhos, jamais, e tudo pode parecer perdido sem sê-lo.

O olhar para o teto. Quem nunca se sentiu como se tudo estivesse perdido, para sempre perdido? Não o ser, exatamente, mas o algo que cada um sabe como se chama o seu. Por mais que isso ou que aquilo aconteça, tudo já está perdido no afã das inquietações precipitadas, talvez, e nada, absolutamente nada está perdido, a não ser diante do olhar que nada vê na calmaria escondida por uma crosta, coberta pelo tempo que pode ser perdido para sempre. E a certeza. A certeza de que tudo passa, o tempo passa, o desejo passa e muda de lugar sobre a extensa mesa rodeada de tantas cadeiras e tantos lugares com as taças de cristais comemorando o novo: o velho de ontem que não envelhece e nada está perdido para sempre se a vida pode. Se.

Na agenda, uma declaração de R. Chartier num dia das minhas reflexões a respeito de representação e verdade; representação, verdade, história e narrativa: "Considerar, acertadamente, que a escrita da história pertence à classe das narrativas não equivale a considerar como ilusória a sua intenção de verdade, de uma verdade entendida como representação adequada daquilo que foi.”

Também na agenda Hallelujah, de Leonard Cohen. Das minhas músicas incessantes. “Well your faith was strong but you needed proof / you saw her bathing on the roof / her beauty and the moonlight overthrew you / she tied you to a kitchen chair / she broke your throne and she cut your hair / and from your lips she drew the hallelujah.”

Madri.

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