sábado, 29 de agosto de 2009

A velha agenda entre continentes V

V/C, Ba. Brasil.

Peguei a velha agenda que não consegue ser velha em todos os aspectos. A quase repentina necessidade de escrever algumas coisas dos tantos pensamentos espalhados dentro de mim, quando por um lado a distância aumentava e, por outro, se encurtava. A distancia aumentava e se encurtava num aproximar de felicidade e de melancolia sem que, por alguns instantes, eu compreendesse exatamente de que lado eu gostaria de estar por mais tempo e por menos tempo. O tempo. O pensamento parece se congelar por um breve momento: aquele instante íntimo de cada um e que chega sem aviso e toma posse, se dilui e se escorrega pelas paredes da memória.

(Você se lembra? Você se lembra de um desses instantes que chegam sem aviso e tomam posse das suas recordações e incertezas? E você vai sumindo, desaparecendo, se encolhendo, vira uma espécie de pozinho… até que diz: Chega! E, então, talvez com a respiração ofegante há o desfazer daquele pequeno e sagaz instante, pois há um horizonte que tem que ser enxergado, e tudo passa como tantas coisa que já nem são. Lembranças do filme Despedidas em Las Vegas. Normal.Não é loucura).

Folheei a velha agenda e coloquei na poltrona vazia ao lado, junto com o livro Conversas com António lobo Antunes, de M. L. Blanco: “No amor podemos substituir uma pessoa por outra, mas não na amizade, porque cada amigo tem o seu lugar e não podemos substituí-lo. Se perdes esse amigo, o vazio criado nunca será ocupado por outro, fica lá para sempre. Por isso, de certa forma, sempre convive contigo. A amizade é uma paixão e em relação a ela eu sinto uma enorme disponibilidade.” (Lobo Antunes). Optei por um vinho, enquanto o continente permanecia o mesmo por mais algum tempo naquela madrugada do sábado da semana passada.

(A frase repetida é a seguinte: [Abre aspas] Tenho por você, antes de tudo, um sentimento de amor enquanto pessoa. [Fecha aspas]. Pronto. O sentimento de amizade é uma peça fundamental para a durabilidade das coisas. Chamo, aqui, de coisas, o tudo: objetos, sentimentos e mais.

Mais um pouco de vinho, e no folhear da agenda releio algumas anotações sobre o fluxo de consciência, inclusive que James William foi o seu criador, quando descreveu o funcionamento da mente.

“Estou aqui dentro deste avião e sem nem saber ao certo onde estou se tudo se distancia e parece longe, cada vez mais longe, e atravesso a Avenida da República invadido pelo contentamento daquele lugar com um bom vento, leve, contrastando com o sol do verão: o vento refrescando o meu rosto quente diante de todos os carros parados no sinal fechado e um sorriso quase pulando para fora.

Atravessei a avenida com uma felicidade batendo suave em meu rosto, uma felicidade simples e tão agradável: atravessei a avenida da República, Campo Pequeno, e percorro a Avenida de Berna, recordando os dias que ela era estrangeira naqueles dias tão longe de mim mesmo. Os carros velozes cruzando o sinal aberto e o sotaque agora tão familiar, quando interrompo um pouco a música que me despedaça e me completa e me faz: e sobre os passeios conversas alheias e as conversas quase sussurradas sobre os lençóis íntimos. E eu, aqui. Eu aqui dentro desse avião partindo para um estado ausente dessas paisagens de ruas descobertas entre as andanças de cada dia, e outras paisagens presentes, firmadas dentro de mim. Paisagens que se parecem com labirintos, quando as avenidas já não são tão distantes nem de mim, nem de nada, nem de ninguém. E as outras paisagens. As outras paisagens, novamente.

Os meus passos pelas avenidas, quando passa por mim não sei exatamente quem e o vento arranca-lhe aquele cheiro de um perfume do qual jamais me esqueci: aquele cheiro de outro tempo, quando eu nem imaginava que era tanta felicidade."

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