quinta-feira, 13 de agosto de 2009

A velha agenda: sentimentos de um instante III

Abro a velha agenda de anos que se intercalaram e vejo anotado “Pôr os pingos aos x”, que é um termo utilizado em Portugal, e, como recordo que outros termo já anotei, encontro, entre eles “preços de dar cabo nos nervos”, “o meu casaco está vem conseguido”, “metido em sarilhos”.

Mas hoje quero transcrever algumas “coisas” que achei curioso, ou talvez nada com nada, e que nem mais me recordo de todos os instante que as escrevi. Talvez um sentimento inquietante, talvez algo para tentar um conto, talvez.

Em 17 de Março, não sei se de 2007 ou se de 2008, data imprevisível e improvável, pois muitas vezes abro em uma página qualquer e nela escrevo se há espaço em branco: Não conseguia ver nada do lado de fora. Absolutamente nada, Apenas imagens veladas, ocultas, cores opacas, invisíveis.

A página agora é a de 27 de Junho de 2007, mas logo no início marquei a data real, 18 de Dezembro de 2008: Estranho. Meses pensando no estranho, desde quando… Mais precisamente desde quando aqui estive da vez anterior. As primeiras faíscas de um possível medo, do pavor, do caos. O contentamento não se garante o tempo todo, enquanto contentamento permanente, nem a alegria, nem os melhores dias, nem as melhores esperanças. Nenhum estado de êstase se garante enquanto estado permanente. Tudo pode se deparar com um caos, pois, o que é permanente? O que é eterno senão a própria eternidade? Que sentimento, fato, estabilidade se garante enquanto estado imutável? Algo se chama destino, e que, pelo menos eu, não digo de um destino traçado, marcado, inevitável, ou coisa assim. Digo de um destino possível, o qual, tem sua origem em uma determinada mudança, atititude que pode se dar como uma faísca de luz que se apaga e acende de maneira tão veloz, quase imperceptível. A viagem feliz não garante um retorno feliz, e o estado de felicidade pode estar exatamente no regresso. Talvez, nem na partida e nem na chegada, mas no meio termo encontrado. O estado transitório.

Estranho. Rastro… Rastros que podem assustar. Os rastros da reflexão de cada um.

19 de Junho, entretanto, 05 de Maio de 2008: Eu acabei de tomar um belo banho ouvindo música que ainda ecoa pela casa apenas comigo mesmo. Pensamentos aos montes… essas músicas… essa melancolia… o ar bucólico. Mas, ao mesmo tempo, um estado de leveza se mistura a tudo isso. Os sentimentos antagônicos às vezes brigam dentro de nós.
Às vezes preciso parar um pouco, ou devorar de vez, comer as palavras que constroem frases e que transcrevem imagens de prender a respiração. Tomei um banho, longo, espuma em abundância e retornei ao livro. O nosso estado de alma, o nosso estado de espírito nos fazem mais ou menos sensíveis com o que nos diz o texto. E se o autor é tão visceral, dono das suas palavras, então pronto, o prazer é ofegante, penetrante. A vulnerabilidade de cada um, e também a quase indiferença de cada um, quando no livro vê apenas palavras, e no quadro vê apenas tintas, um desenho, no máximo. Estou aqui criando um intervalo para retornar à continuação de uma releitura para o meu trabalho de investigação, e está grifado: “Cá estamos. Não. Não bebi demais mas engano-me sempre na chave, talvez por dificuldade de aceitar que este prédio seja o meu e aquela varanda lá em cima, às escuras, o andar onde moro. Sinto-me, sabe com é, como os cães que farejam intrigados o odor da própria urina na árvore que acabam de deixar, e acontece-me permanecer aqui alguns minutos, surpreendido e incrédulo, entre as caixas do correio e o elevador, procurando em vão um sinal meu, uma pegada, um cheiro, uma peça de roupa, um objecto, na atmosfera vazia do vestíbulo /…/.” Os cus de Judas, de António Lobo Antunes.

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