terça-feira, 6 de outubro de 2009

Escrevi, apaguei, escrevi... (e) Abri novamente a velha agenda VII

Porto. Estação Campanhã. Pegarei o próximo comboio, que será às 20:47. O anterior estava esgotado pelo feriado de 05 de Outubro, Proclamação da República. A estação cheia, mais de uma hora desde quando aqui cheguei até o horário da partida, mas quero uma noite calma, depois de pensamentos e possibilidades diversas que podem ou não.


A música. As belas cidades do Porto e de Gaia e a ponte sobre o rio Douro entre ambas. Imagem indescritível. E eu aqui, agora, na estação, um café com leite bem quente, a rasa chuva lá fora e a necessidade de escrever. Queria dizer algumas coisas que não sei exatamente, mas que imagino. Entretanto, nem tudo o que pode ser é ou será. Nem tudo é verdades ou mentira de cada dia. “Pai nosso que estás nos Céus…!”


Já faz um bom tempo que algo tem me encucado. O medo da mentira. O medo da verdade. Quem em algum momento da vida não teve um medo da verdade e um medo da mentira? Se ainda não, é certo: terá! A mentira é corrosiva e dá arrepios de repulsa, se comprometer seja lá o que for e criar lacunas. Eu tenho a minha própria leitura de lacuna. Um universo de significado, significante, significações, Saussure. (Ah, Saussure! Velhos tempos lá na UESB! Um tempo muito bom!). Retornando. Um universo de significações pessoais. Depende do campo de cada um. Se desejar parar um pouco a leitura, interrompa e pense sobre os seus possíveis conceitos de lacuna metafótica, se for o caso, se houver. Ponto final. Eu parto para o ponto seguinte.

***

Eu disse que não mais falaria sobre a velha agenda. Direi. É nela que aproveito páginas em branco enquanto chega o horário… Algumas anotações feitas na “Jornada Comemorativa António Lobo Antunes: a arte do romance” (30 anos do romance Memória de Elefante). Um evento que rendeu grandes encontros, discussões impecáveis, um ampliar de conhecimento e de descobertas. E, sem contar que estava presente o próprio escritor. Ele, o Eduardo Lourenço, Maria Alzira Seixo, Ana Paula Arnaut e outros grandes nomes de olhares afins. Registrado. (Desconfio que já comentei a respeito, mas não vejo problema algum em intensificar tais acontecimentos). E eu ali, degustando.


Em outra página, Bergson. Bergson e as suas duas espécies de memória: Memória-hábito e Memória lembrança. Vivo repetindo isso para mim mesmo. A primeira, a memória dos mecanismos motores, dos esquemas comportamentais habituais. A segunda, formada por rememorações isoladas. Evocativas. Para Bergson, a verdadeira memória, por ser inconsciente, por ser individualizada. Lugar do passado. E o inconsciente se ocupa de trazer aquilo que está latente, para que seja atualizado. Teoria de que a memória é a completa conservação do passado recordado.


(Agora eu já estou dentro do comboio. A música lá dentro. Run. Light up, light up / As if you have a choice / Even if you cannot hear my voice / I'll be right beside you dear-)


Escrevi algo e apaguei. Escrevi e apaguei novamente. Todo mundo pode agir assim em algum momento. Escreve e apaga… Às vezes é melhor, às vezes é pior, às vezes tanto faz. E, com tal imagem, eu indico um livro que ganhei de presente de uma amiga filóloga, pensadora das fortes: Inscrever e Apagar, de Roger Chartier, historiador do livro e da leitura: Guardar ou guardar documentos? Rasgar ou nãos os rascunhos, os rabiscos, as anotações? Melhor se livrar deles ou serão realmente úteis? O dilema entre o guardar e o acumular. Ele inicia a sua Introdução afirmando que o medo do esquecimento obcecou as sociedades europeias da primeira fase da modernidade.

2 comentários:

  1. Que saudade imensa de você!!!
    Amanhã eu volto aqui para devorar tudo.
    Um abraço apertado.

    Alena Cairo

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  2. Alena,
    Saudades sentidas por cá também. Os nossos bons dias na Faculdade e aquela correria para as aulas seguintes... Tantos textos, tantas correções, doses de estresse (e aqui solto uma quase gargalhada), mas havia o prazer, o encanto em turmas que marcaram, alunos que cresceram ainda mais e, principalmente, os alunos que se descobriram produtores de belos textos... palavra por palavra, trabalhadas as palavras.

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