domingo, 29 de novembro de 2009

Uma reflexão sobre o conto

Diversos podem ser os conceitos sobre o conto, assim como diversas são as buscas para se definir o que realmente é um conto. De maneiras bem objetivas, e, da mesma forma, de maneiras bem subjetivas, definições a respeito desta narrativa vêm sendo elaboradas, assim como sugestões de possíveis etapas para a sua elaboração. Apesar de poder parecer meio contra-senso falar sobre etapas para elaboração do conto, uma vez que se trata de uma produção de construções que propiciam liberdades de escrita, estilo pessoal e ficção, consideremos, também, que se trata de um gênero específico, e que deve ser produzido respeitando os limites da sua liberdade. Entretanto, nomear tal produção é também responsabilidade do autor, diante da coerência da sua visão com relação ao produto final da sua escrita, e estabelecida a partir de limites lógicos que configuram as suas propostas determinantes enquanto gênero.

Falar em conto é, ao mesmo tempo, falar em escrita, colher palavras e juntá-las em seus possíveis lugares. Falar e pensar em conto é, antes de tudo, perceber e descobrir imagens, visualizar situações, viver e sentir o prazer de elaborar frases, construir instantes únicos das mais diversas situações do cotidiano. A produção de conto conta com uma história, que pode ser, a depender do construtor, até mesmo, aquela que parecia-lhe tão banal. Depois, só depois, é que seja, talvez, o momento exato da maior preocupação com as regras estabelecidas pelos conceitos, métodos, normas e etapas que nem sempre podem ser consideradas como definitivas, permanentes, imutáveis.

In: Lutar com palavras: leitura, escrita e gêneros textuais. Uma reflexão sobre os bastidores do conto. Salvador: UNIJORGE, 2006.

sexta-feira, 20 de novembro de 2009

Rabiscos

Velhos papéis sobre a mesa, gavetas, caderno na estante.
Anotações.
Rabiscos pelos cantos de papéis
A vida escrita em guardanapos de restaurantes.

Folhas novas suplicando palavras
Suplicando
Suplicando palavras.

Felicidades caindo sobre as páginas
Nódoas do peito se debruçando sobre o papel
A página branca
Outra página pra lá e pra cá
A nostalgia das emoções.

Um sonho anotado, riscado, anotado, riscado, anotado...
E,
Pelas bordas dos papéis,
Instantes guardados, rasgados, guardados,
rasgados, guardados...

sábado, 14 de novembro de 2009

A chuva e o semblante melancólico

Ficaram todos parados na rua cheia de chuva bem forte e que desenhava aceleradamente vivas correntezas de água enegrecida pelos resíduos desprendidos de solas dos sapatos de homens, mulheres e crianças nas calçadas,

e pelos detritos de cães dissolvendo-se em seus cheiros fétidos pela comida empacotada e exposta em prateleiras de supermercados e de comidas estragadas que sobraram do jantar servido em toalhas brancas e toalhas outras de flores de primavera estampadas e regadas com o suco derramado,

esgotos pressionados pelos restos de jornais cheios de liquidações e revistas em papel de alta qualidade estampando roupas caras e elegantes e as outras revistas em papéis cheios de roupas baratas e elegantes, todas com fofocas corriqueiras em edições esgotadas,

as embalagens de chocolates que alimentaram as angústias espalhadas no peito de aflitos que qualquer dia pode ser qualquer um o angustiado e a dor no peito devorando tabletes abastecidos nas prateleiras de cada dia.

Todos os transeuntes parados e a chuva incessante sobre a marquise e os sapatos encharcados bem como os seios delineados pela blusa agora transparente,

e a vida embalada pela correnteza de semblante melancólico.

domingo, 8 de novembro de 2009

Todos os lugares possíveis para mais uma página

Andou pela avenida depois da promessa de um dia sem. Nada disso amanhã. E hoje não quero romper a promessa de ontem, nada disso amanhã. Insistiu.

Sentado sobre a cama, depois de um dia entre a mesa, a própria cama, o chão, novamente a mesa, todos os lugares possíveis para mais uma página, mais uma página, apenas mais uma e a última que nunca chegava para satisfazer a ansiedade inquieta de reler mais uma vez, e ler mais uma página apenas, mais uma como se atormentado para que aquilo chegasse a um final, na noite anterior, ao lado de um resultado satisfeito e consciente de que amanhã recomeçaria tudo novamente em páginas outras. Mas não.

Mais uma página. E terminava se deparando com uma espécie de obstáculo que exigia, enfaticamente, mais uma leitura; parágrafos anteriores e retornos a anotações feitas de coisas que mais do que outras não poderiam ser esquecidas [ou que marcaram fundo como se fossem palavras pessoais, íntimas, escritas num determinado momento sentado sobre a própria cama e a porta do quarto fechada sem nada que pudesse incomodar.]

E o hoje com a promessa de ontem que não deveria ser feita se sabia. Tinha certeza, quase absoluta, nem tanto, talvez, mas imaginava que o desejo pode ter uma alma tão bondosa e não resistir a promessas feitas em meio a uma empolgação, a um cansaço, coisas assim que estão quase no limite, quase no ápice pleno de um instante em que as horas chegam a parecer incertas.

Andou pela avenida e entrou. Não dava para resistir e entrou. Lá no fundo. Uma montanha, eles arrumados pelas estantes, muitas estantes e eles tantos, espalhado em páginas amareladas, alvas, bem alvas, e eles ontem guardados por um instante, e hoje, a promessa rompida, inevitável, o cheiro, a áspera maciez do papel e as palavras, as palavras... E, como na voz tão clara no ato de pensar, as palavras se agachando para um certo descanso em O arquipélago da insónia (ANTUNES, A. L, 2008),
“- Daqui a nada é amanhã
e não será amanhã nunca.”

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

O vento

O vento
O vento
O vento
vento
vento
vento
vento
ento
ento
ento
ento
nto
nto
to
ooooooooo

o tempo
o tempo
o tempo
o vento

varreu.

domingo, 1 de novembro de 2009