domingo, 8 de novembro de 2009

Todos os lugares possíveis para mais uma página

Andou pela avenida depois da promessa de um dia sem. Nada disso amanhã. E hoje não quero romper a promessa de ontem, nada disso amanhã. Insistiu.

Sentado sobre a cama, depois de um dia entre a mesa, a própria cama, o chão, novamente a mesa, todos os lugares possíveis para mais uma página, mais uma página, apenas mais uma e a última que nunca chegava para satisfazer a ansiedade inquieta de reler mais uma vez, e ler mais uma página apenas, mais uma como se atormentado para que aquilo chegasse a um final, na noite anterior, ao lado de um resultado satisfeito e consciente de que amanhã recomeçaria tudo novamente em páginas outras. Mas não.

Mais uma página. E terminava se deparando com uma espécie de obstáculo que exigia, enfaticamente, mais uma leitura; parágrafos anteriores e retornos a anotações feitas de coisas que mais do que outras não poderiam ser esquecidas [ou que marcaram fundo como se fossem palavras pessoais, íntimas, escritas num determinado momento sentado sobre a própria cama e a porta do quarto fechada sem nada que pudesse incomodar.]

E o hoje com a promessa de ontem que não deveria ser feita se sabia. Tinha certeza, quase absoluta, nem tanto, talvez, mas imaginava que o desejo pode ter uma alma tão bondosa e não resistir a promessas feitas em meio a uma empolgação, a um cansaço, coisas assim que estão quase no limite, quase no ápice pleno de um instante em que as horas chegam a parecer incertas.

Andou pela avenida e entrou. Não dava para resistir e entrou. Lá no fundo. Uma montanha, eles arrumados pelas estantes, muitas estantes e eles tantos, espalhado em páginas amareladas, alvas, bem alvas, e eles ontem guardados por um instante, e hoje, a promessa rompida, inevitável, o cheiro, a áspera maciez do papel e as palavras, as palavras... E, como na voz tão clara no ato de pensar, as palavras se agachando para um certo descanso em O arquipélago da insónia (ANTUNES, A. L, 2008),
“- Daqui a nada é amanhã
e não será amanhã nunca.”

Um comentário:

  1. Ah.... e como não entrar no sinuoso labirinto da leitura, das páginas e das palavras? como não? todo lugar é lugar...
    Adorei o texto, Ismar!

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