sábado, 31 de julho de 2010

Sobre o Capítulo 9 do romance de título provisório ("Antes que...") - X

Na quarta-feira, dia 28, conclui o Capítulo 9 do romance. Alguns momentos de interrupções, por conta de um melhor encontro com o desfecho da história, e as últimas oito páginas escritas no mesmo dia, num ritmo bem mais acelerado, considerando eu que era aquele o caminho, eram aquelas as palavras, eram aqueles os sentimentos, devaneios e certezas. Uma linha bem ténue entre o que é devaneio e o que é a certeza das coisas. Onde começa uma situação e onde termina a outra, e elas se cruzam, e se fazem, e são. É a existência das metáforas, que podem ser apenas metáforas ou de repente um salto para outra existência que percorre o real, o Ser.

Escrever é essa inquietação entre outras, assim como o prazer entre outros. Sentir que o texto toma a sua forma no decorrer da sua construção é uma sensação também estranha. O reconhecimento do estranho que pouco a pouco deixa de sê-lo, e os personagens passam a ocupar o seu lugar entre espelhos que refletem não apenas as suposições, o imaginário, a ficção, mas agora o lugar mais preciso, o acontecimento que realmente foi transcrito tal qual o é. Tudo parece se confundir, até que vem algum momento do esquecimento das velhas e prazerosas lendas, os velhos e nunca velhos contos das histórias infantis do “Era uma vez…” Não “era uma vez”, apenas, é, antes de tudo a transcrição da mais convicta história de cada personagem que estão presentes no cotidiano. Todas as narrativas podem estar por ai…

Encontrar os “ganchos” para os parágrafos ou capítulos seguintes pode ser uma tarefa muito árdua, eis a angústia e o contentamento numa espécie de jogo que não permite que as pedras não sejam encaixadas de maneira adequada, lógica. E depois a possível pergunta: e o que é a lógica na narrativa? Há respostas. Não apenas o escritor, mas o leitor também constrói as suas próprias lógicas e o texto que, de certa maneira, tem as suas aberturas para aquilo que por ele é captado, destacado. É o contexto em cada olhar.

Depois, guardei tudo. Dois dias sem escrever, mas pensando quase incessantemente no que poderia ser o melhor percurso para o capítulo seguinte. O último. Penso ser o último, e ao mesmo tempo as imagens vão sendo multiplicadas e vem a sensação de que é muito pouco apenas mais um capítulo para fechar o livro, o enredo, a história. Portanto, não posso afirmar com tanta segurança, para mim mesmo, se será mesmo apenas mais um ou se mais dois, mais três… Melhor deixar as coisas seguirem, deixar a escrita definir, dizer com as suas palavras num diálogo íntimo, aberto, barreiras rompidas. Entretanto, foram dois dias em ideias, e eu acredito que mais um apenas, mais um. Muitas vezes o delongar do texto pode chegar ao excesso, ao desnecessário, a uma espécie de que, na verdade, é uma outra história que começa, e não mais aquela, a proposta.

Ontem, na rua, ouvindo e repetindo as mesmas músicas, numa necessidades daquelas canções, fui tomado, positivamente, pela passagem que irá determinar um ponto-chave do capítulo 10. Veio junto com um alívio, e o desejo de estar com um papel, uma caneta, e ali mesmo escrever, escrever… pois as palavras e ideias que consideramos importantes ao texto podem nos abandonar, partirem, nunca mais o seu retorno, ou apenas os seus fragmentos.

domingo, 18 de julho de 2010

Um percurso em "Sábado à noite é a noite mais triste da semana", de ALA

Não é ele, é ela quem narra “Sábado à noite é a noite mais triste da semana”, do Segundo Livro de Crónicas. A voz feminina (re)construindo todo um dia de sábado. Dentro dele, um universo que deixou de ser, e o que permanece, quando resgatado pelas lembranças e elaborado por expectativas daquilo que pode vir a ser possível. É, ainda, a narrativa de uma realidade presente apenas no desejo, que seja, que fosse, que houvesse sido um dia. É assim que, em determinado momento, a falta e o estado de estar sozinha têm as suas marcas fortes não num vazio de uma ausência, mas em seu prazer, em sua liberdade, o poder em todos os espaços dentro de casa, sobre a cama, o lençol não compartilhado.

É exatamente por ser sábado que a crónica acontece. A narradora que, contrariando o título da crônica, já inicia o seu discurso com um “ Graças a Deus tenho imensos amigos que desde a separação se preocupam comigo…”, e tudo se sucede em telefonemas, convites para ir ao cinema, um jantar, concertos, e a sala cheia de sorrisos numa vida em movimentos. É depois.

Depois dos cinzeiros esvaziados, os copos levados para a cozinha, os tapetes endireitados... É depois. A luz apagada, ela “na poltrona a olhar os prédios fronteiros, de joelhos contra a boca enquanto a manhã…” Nódoas na alcatifa contrastando com “qualquer coisa” no espelho e que a narradora chama de sorriso. Qualquer coisa.

Ela, que nunca precisou de “pastilhas contra a tristeza”, tem a música e “fotografias outras para substituir a ausência, agora presente no álbum. É a ausência, novamente até que amanhã seja domingo. É o silêncio, é o prazer descoberto nas duas mesas de cabeceiras agora apenas para ela, e é, “felizmente, a companhia da porta e dois amigos” seus “e risos”, enquanto ela fuma uma “melancolia que passa depressa". E depois. Lembrar-se que amanhã é domingo, “chegar à varanda e o silêncio da rua”, os copos levados para a cozinha, e ela: “meto os joelhos à boca e fico aqui à espera que o amigo, que o telefone, que a porta […] e me sumir na esquina.” Entretanto, não parece ser esta a conclusão, não definitiva, se a narrativa é escrita numa melodia em seu processo ritmado.

É assim que “Sábado à noite é a noite mais triste da semana” pode levar o leitor a se envolver numa espécie de construção circular. O último parágrafo se agarra ao primeiro, e a crónica prossegue, até quando a narradora permanecer sentada naquela poltrona, os joelhos contra a boca, o olhar sobre os prédios fronteiros, enquanto a manhã…

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sobre o Capítulo 8 do romance de título provisório ("Antes que...") - IX

Acabei de escrever o Capítulo 8, talvez o mais rápido de todos, mantendo a mesma média de páginas. Estava em Esmoriz, onde escrevi a sua metade entre uma pausa e outra, atento ao desfecho, diálogo excluído e outro substituindo, a sensação de reta final e a de um cuidado maior, uma atenção maior, o receio de que lacunas tenham ficado pelo meio do caminho, enfim, são, na verdade, as mesmas sensações sentidas desde o começo.
Senti muito prazer na escrita deste capítulo, cada capítulo com um prazer que pode ser diferente do outro, cada um com as angustias que podem ser diferentes do outro, cada um com a sua leveza, e cada um com as suas tensões. Tudo se repete em cada capítulo, embora as sensações possam ser diferentes, e parecem muito mais diferentes do que são.
É tudo muito intuitivo. O enredo vai surgindo, percorrendo em cada página como se deslizando por todas elas sem muito tempo para pensar. Palavra por palavra pulando para o papel, o papel que é também tela, a tela que é também papel, de uma forma ou de outra, é assim. As palavras jorrando, as frases jorrando, as imagens jorrando, a escrita, a criação. São sensações assim, repetidas, e repetidas neste novo capítulo, tudo como se houvesse uma nova sensação, diferente das demais. E há. E não há. Tudo é uma repetição de sentimentos, e tudo se faz novo se a repetição nunca é idêntica.
Um calor imenso em Lisboa, portas e janelas abertas, não todas, o suficiente, e um ritmo na escrita que muito me agradou, principalmente na segunda-feira, e ontem, terça-feira. Pensei conclui-lo lá pela sexta-feira, mas já aconteceu. Farei agora uma primeira revisão, uma revisitação, algumas mudanças possíveis, exclusões se necessário, e, da mesma maneira, acréscimos. Tudo, o mesmo processo.
Ao concluir cada capítulo, ou cada conto, ou cada texto, fica esta curiosidade e receio de conhecer o texto numa primeira leitura. A expectativa, a tensão de não ter feito uma produção realmente prazerosa em sua leitura, em seus efeitos diversos, as exigências que nós mesmo criamos, e que precisamos ter. Enfim, hora da revisão, amanhã, ou depois de amanhã. As horas dirão, quando o instante de ser determinar, o cuidado com os adiamentos, o mesmo com as precipitações.
E no mais, o capítulo 9 deverá ser o penúltimo do romance. Ou o último. Mais uma expectativa, e comigo a curiosidade de saber, exatamente, o final. Não sei ainda, não sei, não por completo, se nada foi esquematizado de maneira irreversível. Preferi assim, deixar o texto fluir, os personagens surgirem em seus instantes. Preferi assim, sem nada previamente definido, definitivo, embora sempre obedecendo uma ideia central, um ponto de apoio que não deveria nem ir muito pra cá e nem muito pra lá, mas percorrer a narrativa dentro de uma determinada margem, ampla, flexível, bem flexível, mas uma margem. E uma margem é uma margem.
Lisboa, 2:10 da manhã.