segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Inventando interlocutores na estação

mas ela já havia dito que nada daquilo seria o melhor, e que nada seria, e tudo permaneceria na mesma falta de sentido, e pior, como pior ficou. Ela havia dito desde quando ouviu aquelas palavras de uma convicção desperdiçada. E, mesmo quando tudo era ainda uma vaga suposição, ela insinuou que já sabia que nada daquilo daria certo, “não vai dar certo!”, insinuou como se estivesse fazendo referência a outras coisas, outras pessoas, uma verdade alheia. Ela já havia dito, mas de nada adiantou, pois, às vezes, é como se as palavras não se pareçam com nada, não se assemelham a nada, enquanto a outros chegam a provocar um ardor na garganta, um queimor no corpo, uma sensação de guerra sem motivo para batalha.

- A senhora vai descer em que estação?

A pior coisa é dizer algo para quem não escuta mais do que aquilo que não incomode o seu interesse, que não interrompa o seu desejo, que não comprometa a sua satisfação. Entende o que eu estou dizendo? É assim: tudo o que pode interromper um sentimento de prazer dói. Disso sabemos. Mas a dor e a angústia do que algumas dessas coisas na verdade são, sabemos! Nem mesmo sabemos se vale a pena, e foi o que aconteceu com ela.

“Próxima estação: Campo Pequeno”

Hoje está ai, e agora quem está sem querer ouvir sou eu, pois não sei o que dizer. Também não vou ficar remoendo na cabeça dos outros aquela chatice de “bem que eu avisei”, pois de nada mais adianta falar do dito e do não dito depois de tudo, depois de seja lá quem for já estiver com o coração e a cabeça sem mais lugar para lamento, e encolhido feito… feito nem sei o que dizer. Você já se sentiu assim em uma situação sem saber mais o que dizer?

- Uma mistura de irritação e de compaixão?

Uma mistura de irritação e de compaixão.

- Com licença, é a minha estação.

Eu estava conversando com uma pessoa que acabou de ficar ai no Campo Pequeno, e eu dizia que a pior coisa é dizer algo para quem não escuta mais do que aquilo que não incomode o seu interesse e nem interrompa […].

“Próxima estação: Entrecampos”

(Era a minha estação. Fiquei pensando a respeito daquela conversa alheia, mas tão nítida. Impossível não ouvir uma conversa alheia se as vozes se anunciam num estado de prazer, ainda que carentes algumas vozes, alheias, e eu ali pensando num texto, um filme, aquela senhora vencendo o seu dia ao lado de estranhos que nem eram estranhos: interlocutores espalhados pelas ruas e avenidas, até que a noite, outros.)

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