sábado, 30 de abril de 2011

Detrás das páginas folheadas


Insistiu que a música teria que ser aquela e procurou por toda a casa a gravação que não estava lá, um dia escondida de si mesmo para nunca mais ouvi-la, desde quando percebera que não fazia sentido algum repetir aquilo que enfeitava os dias agora esquecidos. Os dias com os seus detalhes que naquele outro tempo foram eternos.

Uma sinfonia. Foi tudo o que antecipou sobre a música, numa comoção pela certeza de que algum equívoco havia acontecido. Muito mais havia sido o deslumbramento,
num instante eufórico, frágil, a fragilidade que tornou tudo muito mais do que era e, pouco a pouco, inventava fantasias, quase castelos, e depois apenas tijolos espalhados sobre a terra e as águas do rio imenso cobrindo-os, um a um, até que um dia o rio muito mais forte tragou o que era apenas imaginário. Foi assim que, ora fosco ora brilhante, o verde do lodo escorregadio simbolizou o que foi sem nunca ter sido.

Insistiu que a música teria que ser aquela, não havia outra. Aquela música a embalar o eterno que as horas podem inventar, elas frágeis, e agora devoradas por uma felicidade encontrada detrás de cada página folheada, ainda que apenas uma representação,
o desejo de que tudo se fizesse novo e real. Tudo se fez real, sem precisar de música alguma, se dentro do peito a melodia é visceralmente intensa, acreditou.

Apenas depois, uma sinfonia surgida não se sabe de onde embalou de vez aquela felicidade silenciosa, palavras murmuradas numa suavidade talvez inesquecível. E no olhar, outras palavras pronunciadas, bem nítidas, quase audíveis.
Um olhar embargado contemplava a ilusão, serenamente.

Um comentário:

  1. Um labirinto fantástico da vida e marcado pela força das palavras bem posicionadas, tanto que criaram antagonismos maravilhosos.

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