segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Efêmero ou eternizado...


Ficou ali sentado no mesmo banco de um tempo atrás, quando o jardim ainda espalhava imagens dos últimos dias de inverno. O cheiro de perfume era o mesmo, o que acentuou ainda mais o abraço marcado nas recordações daquele final de tarde, quase todos os bancos expostos como palcos das representações de cada encontro feliz, e nem sempre a felicidade, nada é apenas felicidade, e nada é apenas a melancolia de outras horas, filosofava, em seu fluxo de consciência de cada dia. Contente. Um contentamento que se revelava diante de cada passo que se aproximava, e a mente alimentava o desejo, e o desejo alimentava o imaginário que tudo concretizava, mesmo antes, mesmo depois, mesmo que nunca mais. Não era o amanhã o que mais importava, mas o instante presente, a certeza da existência do desejo possível, e do prazer que nem sempre se repete como antes, evapora-se tantas vezes, mas, muito mais era a certeza do prazer que parece ser eternizado. Ficou ali sentado, contemplando o acenar da mão que de longe anunciava o desejo, efêmero ou eternizado. Olhou novamente ao redor, os bancos, novamente as imagens dos últimos dias de inverno, que ontem, ainda ontem, acabou.

sexta-feira, 19 de agosto de 2011

Minutos e segundos se espremendo


Na manhã seguinte percebera que as horas do dia anterior não existiram,
e começou a admitir que nada havia sido:
os presentes embrulhados em papéis elegantes já não estavam espalhados sobre os móveis,
e do intenso prazer que ontem nem palavras existiam para defini-lo, havia restado apenas os rastros.

Foi então rever o tempo.

Minutos e segundos passeando pelas salas e corredores,
tic-tac tic-tac
Extrapolavam-se. Vorazes.
Minutos e segundos se espremendo dentro das horas,
muito mais do que elas, as horas, conseguiam suportar.
Minutos e segundos extrapolando-se,
inquietantes,
dentro das horas que nem existiram.

sábado, 6 de agosto de 2011

Uma travessia mágica


Dentro do barco havia um mar. Um mar inteiro dentro do barco. Águas límpidas e flutuantes no imaginário de sua única tripulante, navegando sem saber ao certo se era realmente o mar ou se ainda era o rio. Bem ao longe, ela avistava uma ponta ao que antes era o infinito. Bem ao longe, ela avistava a terra, sem saber se era a terra firme ou se apenas uma ilha que desaparecia no elevar das águas.

Lentamente, movida pelos calmos movimentos das águas, ela avistou o horizonte dentro de si mesma. Fragmentos e amplitudes do ser, o seu, ela incerta quanto ao desejo de enfim ancorar num porto mais próximo ou se ainda era cedo demais, se muito ainda havia a ser submergido em busca do encontro. Vontade nenhuma de antecipar as horas, antecipar o tempo, receio de novamente se precipitar, se os rastros de nuvens acinzentando na superfície entre o Céu e o suave vento a balançar os seus cabelos, movimentos da vida naquele instante.

Numa imagem inesperada, viu que o mar se avançava dento do barco, ela sem receio algum. Sabia, por mais que disfarçasse, sabia que a imagem que sobressaia não era a imagem do real. “O que é real? E o que é imaginário?” indagou-se, sem desejo de respostas. Sem querer desejar, sem querer desviar a sua travessia para o mundo fantástico dentro dela, dentro do barco, dentro do mar, dentro de qualquer que fosse o espaço que sublimasse as horas. Ela assim, sem saber ao certo desde quando, o fim da fantasia misturada na limpidez das águas que lhe permitiam ver o quão serena podem ser as coisas, imaginárias. “As coisas imaginárias são também reais?”. Novamente indagou-se, ao perceber que não era o mar e nem o rio dentro do barco. Era o barco navegando sobre as águas, e ao seu redor um oceano inteiro. Lá no infinito, a terra onde um dia o barco ancoraria. Um dia, num tempo que podia ter sido ontem, ou logo mais.

Sem querer se importar com a imprevisibilidade das horas, prosseguiu em sua viagem mágica, movida pelo poder da imaginação.