sábado, 12 de novembro de 2011

E as horas permaneciam sem pressa alguma


E quando mais uma vez pensou que havia decido, amanheceu o dia seguinte como se fosse o mesmo dia de antes, quando era ainda a dúvida. Havia ido dormir com a tranquilidade da decisão tomada, e acordou com ela ainda sustentando a sua inquietação, calma inquietação naquela manhã, até que à tarde. Foi nela, durante a tarde, que viu que nada mais permanecia firme, sustentando a provável decisão que seria imutável. Foi pouco a pouco, quase imperceptível, que novamente começou a ceder, desacelerar o ritmo das suas palavras, amenizar o tom da sua voz, até que se viu silenciando-se diante de uma voz repetida, palavras repetidas, tudo outra vez à sua frente: o amanhã pintado, novamente, com as mesmas cores de antes, e outras mais.

Nada mais seria como havia imaginado resolutamente. Nada mais. Tudo desfeito como outras vezes, e se agarrava a enfeites elaborados com os seus sonhos, o tempo adiado, as festas de final de ano agora dentro de outro plano, refazer, retomar, e prosseguiu, enfeitando a cidade que passara a anoitecer mais cedo e que lhe provocava um movimento introspectivo, mas que, lá no íntimo, nada mais lhe era estranho. Não era. A tarde turva antecipava a noite, e as horas permaneciam sem pressa, impotentes. A cidade toda enfeitada em tons cinza, de névoa, de repente contornada por cores outras cores, ainda que o colorido, ainda que os enfeites, ainda que...

Interrompeu o pensamento, quase com um grito. Um cansaço de pensar, um cansaço em achar que sim, em achar que não, em remarcar as horas, os dias, as datas, mentalizá-las e delas fazer verbos. Assim, novamente ganhou as ruas, pintando todas as calçadas com cores chamadas Felicidade. Contentava-se em chama-las de felicidade, e depois já dizia que não, que sim, que não, que sim, feito brincadeiras feitas com flores cheias de pétalas, lado a lado as pétalas, arrancadas uma a uma até a pétala final.

domingo, 6 de novembro de 2011

"coisas ficam para trás"


Foi até o fim, mesmo percebendo que não havia mais nada lá dentro, lá no fundo, lá no final, mais nada além de algum resto de coisas que ficaram por acaso, e que ninguém se importava em rever, recuperar, pegar, “coisas ficam para trás”, pensou enfaticamente e se apegando à certeza de que teria que prosseguir.

“Coisas ficam para trás”, repetiu naquele momento, desejando que aquele fosse apenas mais um instante alheio, não seu. E repetiu que coisas ficam para trás, horas, dias, tempo, o tempo sem círculo, sempre linear, sempre a linearidade a ampliar a distância, por mais que íntimo, por mais que o pensamento, por mais que a força das recordações, por mais que a vivacidade do olhar, sempre lhe parece que a linearidade do tempo é mesmo mais forte, criando crostas em vidros embaçados, opacos.

Embora mantivesse o seu olhar em direção ao que ele não enxergava à sua frente, foi inevitável o breve instante em que olhou para o canto, não apenas o da estante já quase vazia, mas, e muito mais, para um canto outro, aquele que o fez engolir aquela saliva travada na garganta, como se fosse pedra.