sábado, 24 de dezembro de 2011

"Tantas vezes a certeza é costurada como se fosse" ou "A noite silenciosa sobre a rua"


Depois que fechou a porta não pretendeu mais nada a não ser alcançar novamente a rua abandonada horas antes,
o que mais lhe importava era preencher o que havia ficado como lacunas num tempo anterior
(tempo que o imaginário parecia também ter abandonado com o seu jeito de confortar).
Na rua de prédios novos misturados a outros cheios de memórias,
Os seus passos pareciam bem mais pesados do que estavam,
(um resto de contentamento ainda no cheiro em sua pele
e as palavras que se misturavam em imagens e significados escorregadios e outros talvez jamais).
Os prédios cheios de memórias pareciam às vezes os mais belos e outras vezes ruinas.
Os prédios, cheios de vidros protegendo memórias embrionárias eram os mais belos e outras vezes não.
Tantas coisas às vezes não
tantas vezes a incerteza pulando como bolas, voando ao acaso, outras vezes em direção a um infinito logo ali, não ainda o Infinito.
Tantas vezes a certeza escancarada em respostas tão firmes
e nítidas como o próprio reflexo diante do espelho,
quando nem é preciso mergulhar tanto lá dentro para perceber o exatamente das coisas.
De lá do alto das janelas cheias de vidro, havia visto, lá fora, a noite silenciosa sobre a rua,
enquanto o cheiro de memórias se tornava ainda mais intenso em sua pele:
“Tantas vezes a certeza é costurada como se fosse resposta firme e nítida das coisas e do ser”. Pensou,
enquanto andava pela rua, ao amanhecer,
e concluiu que tantas vezes as certezas são apenas alinhavos.

domingo, 11 de dezembro de 2011

O cheiro do perfume nos fios do casaco de algodão


Depois, entregue à perplexidade previsível não para si mesma,
arrumou o que lhe faltava na pequena mala quase vazia.
Apenas algumas coisas,
a intuição do que lhe seria o suficiente para os dias que nem sabia quantos,
ou se meses,
ou se anos,
ou se para sempre.
Pegou o casaco preto, ainda com os cheiros de perfumes que se misturavam nos fios de algodão
e nem quis olhar mais nada,
apenas um livro na estante, quando retornou da porta de saída e o tomou em suas mãos.
Depois foi ao quarto, e sobre a cômoda um vazio, sem mais as palavras que sobre ela permaneceram durante os últimos dias de leituras, e trechos relidos.
Nem sabia se era aquilo o que pretendia fazer,
E a respeito preferiu não pensar.
Desceu as escadas, impaciente pela espera do elevador, e na rua não hesitou em logo atravessá-la, na pretensão de que assim estaria abandonando a inquietação do espaço que se tornara angustiante,
desde quando, no impacto de um instante, havia rasgado as fotografias coloridas que enfeitavam as paredes e estampavam nos belos porta-retratos momentos agora apagados. Tudo assim, ainda que um possível desejo de que não o fosse.
No taxi, o motorista insistia em conversar coisas desinteressantes,
e o silêncio,
até a estação, movimentada por tantos pensamentos dos transeuntes, viajantes que chegam, que partem,
e ela viajante, sem saber se partia ou se chegava, enquanto olhava os horários adiados: se mais cedo, se mais tarde, se hoje, se amanhã,
e uma respiração confusa se misturava ao cheiro daquele perfume impregnado nos fios de algodão do seu casaco, não o seu perfume, mas o outro,
aquele cheiro que parecia chegar até a sua alma.

domingo, 4 de dezembro de 2011

O que há dentro da taça vazia?


E de onde surgiu essa ideia de que nada vezes nada é nada? E de quem é essa conclusão cheia de certeza de que não há algo lá dentro, algo lá nos cantos do lugar chamado Nada, o lugar, há um lugar que se chama Nada, há um desejo que se chama Nada, há um estado de fazer que se chama Nada, O que você deseja? O que você está fazendo? Nada. Nada? O desejo cheio de nada é um desejo cheio de coisas mais. Sublimadas? O desejo lá no inconsciente nunca é nada, é muito mais, até desconhecido, se o desconhecido houvesse no íntimo, absolutamente... O íntimo de quê? Dos diálogos silenciosos e gritantes e tão diversos, adverso, o alter-ego, o ego, o inconsciente, tudo na velocidade do pensamento. E o nada? O que você está fazendo? Nada? E pensar é nada? Nunca o pensamento parado por completo, ainda que uma linha quase invisível, quase pluma, quase uma fita transparente como aquilo que está por detrás do olhar que não o do outro, o Outro, quem o Outro? Lacan, o olhar do outro sempre, sempre ligado aos fenômenos de... Unheimlichkeit, letra por letra dessa coisa que se chama Estranheza quando as letras de cá... Estranheza? O Outro é esse lugar de questionamento do sujeito, Nada? Como não há nada se tantas coisas surgem nesse instante misterioso, enigmático, tudo parado, o silêncio aconchegante, acolhedor o silêncio e, daí, o pensamento cheio de coisas assim caladas e a fala, o discurso, essa outra coisa do Poder do discurso, tudo invisível, o Outro seria aquilo que para Freud é o inconsciente... Impossível. Impossível dizer que nada vezes nada é nada se tudo surgiu assim de um nada, de repente, mesmo que sem lógica, sem sequência, fragmentos que se juntam, se fazem, se tornam, se unem, e há alguma unidade, diferentes as unidades do fluxo de consciência. Joyce. Quem? Joyce. Talvez, tudo tenha vindo de lá, das águas, aquela água tão azul, o dia tão azul e tão cinza e tão íntimo na taça repleta em suas margens. As suas margens. Não a sua borda. O que há dentro da taça vazia?