domingo, 11 de dezembro de 2011

O cheiro do perfume nos fios do casaco de algodão


Depois, entregue à perplexidade previsível não para si mesma,
arrumou o que lhe faltava na pequena mala quase vazia.
Apenas algumas coisas,
a intuição do que lhe seria o suficiente para os dias que nem sabia quantos,
ou se meses,
ou se anos,
ou se para sempre.
Pegou o casaco preto, ainda com os cheiros de perfumes que se misturavam nos fios de algodão
e nem quis olhar mais nada,
apenas um livro na estante, quando retornou da porta de saída e o tomou em suas mãos.
Depois foi ao quarto, e sobre a cômoda um vazio, sem mais as palavras que sobre ela permaneceram durante os últimos dias de leituras, e trechos relidos.
Nem sabia se era aquilo o que pretendia fazer,
E a respeito preferiu não pensar.
Desceu as escadas, impaciente pela espera do elevador, e na rua não hesitou em logo atravessá-la, na pretensão de que assim estaria abandonando a inquietação do espaço que se tornara angustiante,
desde quando, no impacto de um instante, havia rasgado as fotografias coloridas que enfeitavam as paredes e estampavam nos belos porta-retratos momentos agora apagados. Tudo assim, ainda que um possível desejo de que não o fosse.
No taxi, o motorista insistia em conversar coisas desinteressantes,
e o silêncio,
até a estação, movimentada por tantos pensamentos dos transeuntes, viajantes que chegam, que partem,
e ela viajante, sem saber se partia ou se chegava, enquanto olhava os horários adiados: se mais cedo, se mais tarde, se hoje, se amanhã,
e uma respiração confusa se misturava ao cheiro daquele perfume impregnado nos fios de algodão do seu casaco, não o seu perfume, mas o outro,
aquele cheiro que parecia chegar até a sua alma.

4 comentários:

  1. "Não quis olhar mais nada", contudo o perfume aguça o olhar da alma e nada mais precisa ser dito. Só sentido.

    Maravilha de texto Luiz!

    ResponderExcluir
  2. Aqui estou sempre com a certeza de que algo movimentará o meu pensamento e é por isso que aqui venho e aqui estou. O cheiro nos fios do algodão...

    ResponderExcluir
  3. A medida que lia minha mente ia viajando no texto e me angustiava pq queria ir mais adiante no texto.

    ResponderExcluir
  4. e partiu em direção ao Porto. No fundo era esse o seu desejo, chegar ao porto, colocar lentamente o seu casaco na cadeira, respirar calmamente e sem medo. Olhar por todos os lados, saber que a angústia se foi, apreciar a lentidão dos momentos no seu porto seguro.
    Amei o texto, Ismar!

    ResponderExcluir