quarta-feira, 25 de abril de 2012

Mas nem sempre previsível


Não apenas um cansaço, mas uma inquietação.

“Que entendes se indago: felicidade nostálgica e previsível?”

Pensou em adiar, apenas no ímpeto: “hoje não, só amanhã”, e se sentiu navegando num poema de Pessoa. Mas logo entendeu que deveria ir sim (mesmo sem saber ao certo o que responder a respeito da felicidade nostálgica e previsível). Retornaria, ao Tejo e ao lugar diante dele, o rio, o começo, o início daquilo ainda sem nome determinado. “Daquilo” não, soaria como coisa qualquer, e nunca, nunca coisa qualquer! E foi nesse impasse que o tempo tornou-se mais uma vez inadiável: “O tempo das coisas é às vezes é inadiável”, pensou, querendo também entender a sua lógica. O tempo, o espaço, a imagem azul movimentando-se tão calmamente, o azul a combinar tão bem com o quadro que enfeitava não apenas a parede.

Felicidade nostálgica e previsível. Que felicidade é essa? Uma imagem que pulava de um lugar para outro e de uma palavra para outra e de um sentimento para outro e pulava... Uma busca de um sentido capaz de explicar o transitar entre a felicidade e a nostalgia. Olhou o quadro na parede, olhou a janela pintada no quadro, olhou para o mundo lá fora, e mergulhou dentro de si mesmo, contemplando a singularidade daquele instante que se repetia.

Ali (Ali? Ali, onde, se tudo ao mesmo tempo, ao mesmo, ao mesmo...), encontrou a resposta, numa sonoridade calma e num lamento suave, num prazer e numa dorzinha silenciosos, e vislumbrou a resposta que procurava: estampada nas águas do rio, tão expressivo rio, exposta no quadro na parede, pulsando ao seu lado e dentro de si mesmo. Era uma felicidade nostálgica, nem sempre previsível.

terça-feira, 3 de abril de 2012

Mas não foi um silêncio incômodo


Surgiu de lá de dentro com mais uma garrafa de vinho e na outra mão um livro retirado da estante enfeitada com a sua coleção de cristais. Pássaros e peixes, e outros objetos expressivos e guardados como réplicas de uma fortaleza, e as casas, casas e castelos: “esses sãos os meus castelos, e esse é o meu preferido”, já havia dito antes, num entusiasmo entre a sua impecável coleção e o seu sorriso e olhar de quem já se conhecem como se fosse desde a infância, embora não iniciada hoje, não nem ontem, nem exatamente há tanto tempo atrás.

Mas, o que importa o tempo agora, se ele se adequa ao instante do contentamento e somos a ele adequados no impulso do que sente e determina o interior? O que é o tempo se ele parece inexistente, por um instante, quando o que mais resiste é a certeza absoluta de um sentimento que faz a felicidade vir a ser de tanto anos atrás, se a intimidade torna-se uma genuína comprovação de que o eterno é o que, de fato, se confia? Não uma confiança inventada nas noites vazias e efêmeras, depois do que se chamou aleatoriamente Prazer. Não uma confiança inventada numa noite qualquer, movida pelo prazer, e o destino nas mãos da eufórica fragilidade de si mesmo, vazio.

Serviu o vinho. Após um gole, saboreado por cada um, perguntou se poderia ler um poema de Poe. “Sim!” Entendera bem a sua pergunta e sentira bem o seu sorriso de felicidade que parecia preencher toda a sala que nem precisava de conforto tamanho. “Sim, pode ler”, respondeu, ao ser questionado se podia ler em sua própria língua. O vinho. O vinho dialogava com a leitura numa intimidade muito maior do que a compreensão exata de todas as palavras ouvidas. O contentamento vivenciava o que sabia estar ali muito mais que a densidade, no íntimo do peito, do prazer, da entrega, ainda que o tempo breve.

“Desde el tiempo de mi infancia no he sido
Como otros eran, no he visto
Como otros veían, no pude traer
Mis pasiones de una simple primavera.
De la misma fuente no he tomado
Mi pesar, no podría despertar
Mi corazón al júbilo con el mismo tono;
Y todo lo que amé, yo lo amé solo.
Entonces -en mi infancia- en el alba
De la vida más tempestuosa, se sacó
De cada profundidad de lo bueno y lo malo
El misterio que todavía me ata.
[...].”

E mais uma vez. Pausadamente. No desejo ansioso de que cada palavra fosse compreendida, e foram, muito mais, depois de clarificadas com tanto entusiasmo, até que a última taça da noite, até que a compreensão das lacunas, até que o surgimento coisas que, às vezes, parecem outras. E, por fim, nem um e nem outro se preocupou em preencher o silêncio, a sensação de que um vento parece tomar coisas que são nossas, um longo voo. E o silêncio, mas não um silêncio incômodo. Não um silêncio incômodo.