sábado, 28 de julho de 2012

e viu que tudo era horizonte


Quando os dias se foram e ela percebeu que no palácio nada mais haveria, decidiu que era hora de limpar todos os móveis, retirar toda a poeira acumulada sobre eles e arrumar os objetos espalhados na euforia dos últimos dias. Decidiu com uma tranquilidade encontrada no meio das expectativas, quase nunca abandonadas, e outras reencontradas no tumulto dos pensamentos resgatados de seus paraísos.

- Não se abandona uma expectativa no meio do caminho. Ela repetia em voz alta, mesmo que apenas para si mesma. Repetia, sempre que qualquer coisa dentro dela se mostrava como um prenúncio de que era hora de parar, desistir, interromper.

Mais tarde daquele dia, ela repetiu que não se abandona uma expectativa no meio do caminho, mas, agora, em um tom fragilizado, ela surpreendida por uma voz que insinuava se confundir com outras vozes, as impávidas, múltiplas. Uma voz pretendendo reformular a sua frase tão repetida.

Mesmo com alguma inquietação, ela prosseguiu nos espaços imensos de seus palácios. Os passos contidos, fragilizados. Ela, entretanto, sem perder a força que alicerçava o passo seguinte, os passos seguintes, sem perder a voz que lhe falava da existência de outros horizontes, outros horizontes, outros, mesmo quando nem tantos.

Na sequência das horas, ela abriu a imensa porta do palácio, aquele lugar que ela chamava palácio, olhou ao redor, e viu.

Tudo era horizonte.


segunda-feira, 9 de julho de 2012

Não apenas na paisagem lá fora


Não era apenas um vento, se lá fora a relva seca era desprendida da terra e, como chuva frente ao vento, rodopiava no ar: a terra rodopiando, o mundo rodopiado e silencioso dentro da casa de onde o olhar expressava um vazio. E por detrás do vazio, o que havia era uma paisagem cheia de fragmentos cálidos e frígidos do nada, absolutamente nada, um universo de sentimentos insinuantes.

Nada lá detrás das vidraças quase opacas pelo imperioso inverno, e tudo, absolutamente tudo: afinal, o que é o nada, se dele floresce introspectivas sensações que sussurram e se revelam expressivas no olhar?

Aquele cenário era um deserto. Um deserto não apenas na paisagem lá fora. Eram desertos: de um poço, abundava água talvez um dia cristalina, e depois era umidade, poeira, amarelidão da ventania, da tempestade, a terra estagnada, a vida estagnada, o pensamento, o desejo, as lembranças, tudo estagnado, nada mais dentro do poço, nada mais sobre a mesa, copos vazios.

O vazio não apenas nos copos sobre a mesa. E o vento. A ventania gritando lá fora, e lá dentro pulsando silenciosamente.


(Escrito a partir do filme "O Cavalo de Turim")