segunda-feira, 27 de agosto de 2012

A noite ilumina o caminho até a montanha?


“Para que luzes acesas quando a noite ilumina o caminho?”

(A noite ilumina o caminho, mas não até a montanha, pensou, sem nada dizer, e indagou: "A noite ilumina o caminho até a montanha?")

Desconfortável com o silêncio, respondeu o que havia apenas pensado, quando conversavam lá fora e novamente divagavam a respeito da montanha avistada ao longe. Embora a noite avançada e silenciosa (muito mais se não fossem as vozes e os ruídos vislumbrados na estrada), decidiram ir até a montanha, enxergar o que era apenas imaginado, se nunca mais ninguém havia alcançado o cume e o longo caminho agora coberto pela relva.

A noite brilhava surpreendente, e muito mais brilhava pelo entusiasmo de cada um. A sombra detrás da montanha, e, quando sombra nenhuma, havia um lago. E se não fosse um lago, era a doce aventura de trazer de lá muito mais que indagações.

E assim, pouco a pouco a noite avançava, não apenas em diálogos sobre a montanha, não apenas o invisível das coisas. Sabiam, sem qualquer pretensão de criar atalhos, sabiam que a noite avançaria sem que algum passo fosse dado em direção à montanha, não naquele instante. E, enquanto a luz da noite anunciava o seu repousar, as palavras cantarolavam não apenas aventuras:

“Amanhã, iremos à montanha! Não é tão longe assim... Não é tão no alto assim... E se for, só quando lá estivermos é que saberemos. Não será tempo perdido, mas seria.”

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

A sombra materializada


Percorreram o longo caminho, deixando a montanha e a sua sombra para trás. Depois de alguns breves silêncios, divertiam-se com as poucas sombras que ainda existiam naquela hora precisa. Sombras aquelas que se tornaram criatividades para fazer significar aquele instante, não apenas o instante agora lá fora.

“Se você visse apenas a sombra, e não aquilo que a originou, como você descreveria esta sombra?” Perguntou, e repetiu a mesma pergunta, mais pausadamente, na busca de ter certeza de que as suas palavras foram entendidas.

Insinuaram um sorriso, e uma pausa surgiu do inesperado, enquanto a resposta era construída sem qualquer pretensão de lucidez.

Ele respondeu pausadamente, procurando as palavras mais simples para a resposta que não pretendia ser complexa, mas carregada de sentido sem sombra. E se surgisse alguma, que não fosse uma sombra abstrata, nem imaginária. Assim, misturou pensamentos como sempre acontecia em momentos de satisfações plenas ou pretendidas.

“Entendeu?” Perguntou logo em seguida, com o mesmo sorriso insinuados de antes, agora mais ruborizado, o sorriso contido nos cantos da boca. Os sorrisos ruborizados nos cantos das bocas, e uma nuvem imensa atravessou sobre a pequena sombra, desfazendo-a sobre a terra. Mas ela, a sombra já internalizada, materializada, já estava guardada em verbo para um dia ser memória.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

"O que há detrás daquela montanha?"


“O que há detrás daquela montanha?” Perguntou-lhe o desconhecido, que olhava na mesma direção que a sua.

“Uma sombra”, respondeu-lhe, enquanto virava o seu rosto e viu de quem era aquela voz grave e calma, expressão leve, estrangeira, não apenas a montanha desconhecida e a sombra invisível e imaginada em sua forma e em seus sentidos.

Ainda olhando a para a montanha, indagou:

“Uma sombra? Apenas uma sombra?”

“Não apenas uma sombra. Numa sombra nunca é “apenas”, se não alcançamos o outro lado das coisas... É ela, e não a montanha, que muda de lugar; e é ela, e não a montanha, que desenha sem cor o que seria o real.”

O estrangeiro, que não mais era estranho, parou, olhou ainda mais atentamente a montanha, e imaginou a sombra, mas não apenas ela. Imaginou estar diante da própria sombra, e considerou que uma sombra não é a cópia perfeita do ser ou do objeto em si. Viu, então, a longa estrada à sua frente, desconhecida, e imaginou tantas coisas que podiam estar lá.

“Conhece aquele caminho?”

“Eu vim de lá. É um longo caminho, bem longo. Nunca caminhei por uma estrada mais longa. É um caminho cheio de sombras desenhando a sua beleza às vezes misteriosa. Lá, todas as coisas que se refletem em sombras são calmas, bem calmas!”

“E a sombra da montanha?”

“Não sei. Nunca estive lá! Dela, prefiro apenas aquilo que posso imaginar.”

O estrangeiro, que já não era exatamente, refletiu, admirando a resposta, e concluiu o diálogo, silenciosamente, enquanto percorriam pela longa estrada, sem sombra alguma.

quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Na janela da sala enfeitada


Lá no alto, na janela da sala enfeitada de lustres dourados e repletos de lâmpadas que de cá de baixo nem dava para contar quantas eram, ela repousava o seu rosto envelhecido e melancólico, contrastando-se com os requintados móveis que compunham o ambiente do mais elegante prédio da rua. Ela, misteriosa, e o transparecer das alterações de um tempo que lhe doía no peito não apenas as emoções.

Ela, em seus cabelos enfraquecidos pelas tinturas que, durante anos, apagavam parte do tempo, ela prostrada na janela, sem nem mais um resto de entusiasmo para pentear as suas mechas antes volumosas, as suas pernas antes tão torneadas e ela a desfilar nos famosos salões da cidade. Ela, sempre cheia de expressões e gestos entusiastas, eufórica, e agora uma fragilidade intensificada pelas recordações dos exuberantes vestidos em decotes que realçavam os seus seios rijos e a pele nunca antes imaginada sem o vigor perdido.

Era sempre o adiar das horas de quando sentiria que os passos sobre a terra se transformariam em sombras daquilo que havia se declinado, voraz.