sexta-feira, 16 de novembro de 2012

O efêmero se dissipa




E quando abriu o livro guardado há anos na estante, sentiu que lá dentro não havia apenas palavras que transcreviam uma longa e comovente história. Havia mais que frases navegando em cada página, muitas páginas, mas, aparentemente, insuficientes para a amplidão das imagens e para os pensamentos que se espremiam entre si, dentro de abrigos ou sem proteção alguma. Das frestas se espalhavam o excesso de pensamentos sem filtro algum e tantos deles se perdiam, se apagavam, desapareciam em meio a algum lugar imenso, incontornável, embalado por uma musicalidade não apenas na alma! Não apenas.

Ao abrir o livro, logo sentiu um cheiro estranho, estranho demais, embora fosse um cheiro reconhecido em algum lugar da memória. Um cheiro que parecia ter saído de um frasco de perfume agradável, o frasco vazio há muito tempo e o cheiro misturado com a poeira acumulada em cada segundo das horas. Enquanto os pensamentos e os sentimentos se acomodavam em qualquer canto mais cômodo do ser, o livro permaneceu aberto em uma de suas frases mais belas, e só depois começou a ser folheado, frases relidas, algumas aleatórias e outras quase decoradas. Parágrafos inteiros como se fossem suas próprias sensações. Em cada frase, sentia um algo, algo sem nome e quase capaz de captar a perfeição do que se chamaria de real.

E o que é real? Sempre gostava de se perguntar o que era real. E, embora parecesse ser tantas coisas indefinidas, sabia sim o que era e o que apenas se assemelhava a sê-lo. Sabia o que era real dentro de si mesmo, o que era real dentro da ficção, dentro do imaginário, dentro do invisível. Era ali que estava a essência desejada. Fora isso, era pouco, era vento, era efêmero. E, mesmo sabendo se tratar do óbvio, repetiu confortavelmente: o efêmero se dissipa. Neste momento, quando folheava uma das últimas páginas do livro, algo lhe tocou, sereno, inexplicável, e num instante de êxtase leu a última frase grifada, fechou o livro, e repetiu: o efêmero se dissipa.