sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

O zunido, as palavras...


Fechou a porta e acreditou que todas as coisas ficaram do lado de lá. Entretanto, ainda sustentando a chave na fechadura, percebera que tudo permanecia ali dentro, arrastando-se dentro de seu corpo. Tudo ali, dentro dela mesma, percorrendo as suas artérias. Teve certeza, assim que virou de costas para a porta e viu as cadeiras vazias ao redor da mesa enfeitada com o jarro novo, presente de aniversário, no dia anterior. Ela, se sustentando num resto de ânimo, imaginou-se repousando no sofá coberto de mantas nos dias de inverno.

Soltou a bolsa no chão, também presente de aniversário, atravessou a sala, e só então se deitou no sofá. Naquele instante, sentiu o cheiro que havia sobrado do ontem e o sabor da última fatia de bolo, guardado para o amanhã. Um zunido penetrava os seus ouvidos e se misturava com palavras. Não era o zunido de sempre, não eram as palavras de sempre, mas também não era um zunido e nem palavras que ela pudesse dizer serem estranhos. Ela desconfiava. Ou sabia. Ela desconfiava ou sabia de que algo estranho pudesse estar percorrendo em seu corpo,

Inquietada, no mesmo minuto em que havia se deitado, sentou-se. Tirou os sapatos, tirou a blusa, olhou o seu corpo, a pele alva, bem alva, tirou a calça comprida, tudo ali mesmo, no sofá, e desejou muito um copo com água. Mas não sentia a menor disposição para se encaminhar até a cozinha que, de tão arrumada, nem parecia ter sido ontem um dia de festa.

A sede começou a arranhar a sua garganta, os zunidos começaram a arranhar os seus ouvidos, ela com tanta sede, o ontem com o bolo de aniversário sobre a mesa, o bolo coberto de recheio escorregadio, aquela coisa estranha percorrendo em suas artérias, percorrendo em seu corpo, percorrendo sobre a sua pele, e o zunido, as palavras, o zunido, as palavras, o zunido, as palavras...

Nenhum comentário:

Postar um comentário