terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Um instante eternizado pelo cheiro



Quando ela retornou, anos depois, meses depois, dias depois, horas depois, viu que apenas alguns minutos haviam passado. A vida inteira dentro de alguns minutos. Ela, entregue a um tempo de tantas histórias ao redor de outros lugares, ao redor de outras pessoas, ao redor de outros sentimentos. Outros! Tudo ao seu redor, e ela ao redor de tudo, como se fosse muitas. Tudo muito perto e muito distante, não apenas de sua casa, não apenas de seu quarto, não apenas de seu travesseiro, não apenas dela mesma. Tudo, logo ao amanhecer, e ainda exalando um resto da fragrância do ontem.

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2013

A filha da pianista que não era



A menina atravessou a sala, tímida, muito tímida.

A menina atravessou a sala e sentou-se na cadeira do piano de cor negra que enfeitava o ambiente, contrastando com a sua absoluta falta de desejo de estar ali,

novamente exposta diante dos convidados dos pais, vaidosos pela filha que era a pianista da família, vislumbrados: a menina sentada ao piano com um vestido rodado, bem rodado e vermelho, e um imenso laço de fita branca no cabelo. Ela, enrubescida pelos aplausos na sala, e se sentindo tão desconfortável detrás de um adorno vermelho e ornamentado por um laço branco.

Depois, a sala silenciosa em plena reverência para o seu concerto. Naquele instante, aquela era a sala mais famosa da cidade.

Um dia...

Eles, os pais, repetiam,

Um dia, ela...

e ela, a menina, segurava a vontade de chorar e fingia ser completamente surda para não ouvir novamente aquelas palavras dos pais. Dentro do seu peito, a vontade de chorar permanecia guardada com os seus segredos.

Atordoada, ela tocou mais uma música, repetida tantas vezes a música, as músicas repetidas: tão poucas para os inúmeros concertos ovacionados pelos pais e pelos convidados disfarçados de plateia, a mãe, vaidosa pela filha pianista e que ela mesma nunca havia conseguido ser,

sublimava a sua própria fantasia,

num sorriso meio contente e meio áspero, meio feliz e meio frustrado pela menina que, bem antes daqueles dias, anos e anos atrás, era ela própria, num desejo inesquecível e opressor. Ela, a mãe, que nunca havia ganhado de presente um vestido rodado e vermelho, perfeitamente guardado em sua memória.

E agora, agora a filha exposta na vitrine diante dos convidados, enquanto os seus dedos pareciam adormecerem sobre o teclado, ela adormecendo, fugindo daquele lugar: uma vontade de ficar encantada e desaparecer daquela sala cheia de ilusões patéticas,

e a música, a música, que ela tanto amava quando sozinha, cada vez mais se transformava numa angústia dentro de seu coração: o seu desejo tão distante dali, os seus sonhos quase desaparecidos entre as teclas brancas e pretas do piano bem lustrado enfeitando a sala rodeada por cortinas de veludo vermelho, imaginárias, as cortinas, e adornadas pelo dourado que se apagava na menina cheia de outros segredos, guardados para um dia que ela ainda nem sabia quando. Um dia!

- um dia, compraremos um belo piano de cauda para ela!

E a menina tocava e chorava, tocava e chorava: aquela música repetida, a mesma música, repetida. Ela chorava e repetia as notas, pouco a pouco desafinadas, e o tédio. O tédio surgia cheio de garras e devorava a menina,

- tão emotiva!

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

O tapete e o véu


Desconfiara de que não estava ali a mesma pessoa de antes. Algo havia mudado. Algo pareceu estar se encaminhando para uma transfiguração, se ainda não o havia. Era a desconstrução de tudo o que ainda ontem havia sido narrado como uma das melhores coisas de sempre, das melhores afinidades, dos melhores refúgios, desde os seus instantes mais íngremes até o de maior contentamento. Ouviu tudo o que lhe fora compartilhado, atentamente, quase sem tempo para dizer alguma coisa que pudesse relativizar aquele olhar em plena metamorfose.

(- Como assim?)

De repente, o elo de aço evaporou-se. Já não era exatamente um elo de aço. Era um fio frágil. Era algo que apenas se assemelhava ao aço, mas não o era, pois a ferrugem surgia impetuosa enquanto o estado efêmero do ser e das coisas sustentava o resto de fio que ainda mantinha o elo.

(- Como assim?)

Lamentou, ao desconfiar de que havia surgido um caminho estranho e duvidoso pelo qual aquela voz parecia agora percorrer. Havia ali qualquer coisa estranha, pontilhada pela influência talvez velada, talvez direta, e talvez a fragilidade diante daquele presente Instante que fragmentava o seu Eu, espalhado pelo caminho que lhe surge coberto com um imenso tapete aveludado. Mas havia um véu. Um véu fingindo ser um caminho encantado.