sábado, 18 de janeiro de 2014

Reinventando olhares


Ao acordar, deparou-se com a parede do quarto completamente umedecida. Apesar de sua perplexidade inicial, foi invadido por uma brandura, pouco a pouco uma brandura e um espírito contemplativo diante da parede branca. A tinta resistente em sua espessura tão estreita, pele, película, camada endurecida pelo tempo, agora deslocada da estrutura do alto a baixo da parede. Ele permaneceu ali, de olhos fitos e olhar contemplativo, revirando páginas, reinventando olhares. Pouco a pouco, aquela camada se desprendia da parede como se gotas de água se acumulassem ali detrás, criando pequenos poços, alguns maiores, outros menores, a camada inteira prestes a se desprender da parede, deixá-la nua, sem cor, sem brilho. Ele contemplava aquele instante, mergulhava naqueles poços de água, enfrentava a correnteza, ele seguro de que ali detrás havia uma fortaleza, a parede intacta, revestida, ele nu debaixo da colcha branca, a sublime ausência de cor nas paredes, no tecido, na nudez. O algodão agora revestia o tecido branco sobre a cama, os seus fios resistentes, até quando, até onde. Ele, ali, horas depois, antecipava em seu olhar uma nova camada de tinta sobre a parede. Espessura resistente, a pele, a tinta, outra, outra vez revestindo a parede, até quando, até onde, até.

Nenhum comentário:

Postar um comentário