segunda-feira, 28 de abril de 2014

Foi nada não!



Foi nada não
Foi apenas uma bola de sabão que voou, voou, voou
E depois se transformou
Encantada
No meio do salão.

Foi nada não
Foi apenas uma emoção que rondou, rondou, rondou
E depois evaporou
Desapegada
No meio da canção.

Foi não! Foi nada não
Foi apenas o coração que acelerou, acelerou, acelerou
E depois se acalmou
Protegido
No meio da contramão.

Foi não! Foi não!
Foi nada não!
Foi apenas um instante
Belamente fotografado
No meio da estação.


quarta-feira, 23 de abril de 2014

E algumas vezes era de pano


Quem olhava para ela nem desconfiava de que detrás de seus sorrisos largos havia outra, ela disfarçada de boneca de plástico, moldada para sorrir quando dispositivos são acionados por meio de baterias alcalinas. Tudo tão artificial, ela sabia, e inquietava-se: ela ruborizada, receosa de que desconfiassem que algumas vezes ela era boneca feita de pano e que o expressivo vermelho em seus lábios era linha de tecelã.

Ela sentia um temor imenso de que, inesperadamente, a bateria falhasse no meio de um sorriso escancarado em qualquer instante de contentamento. Tanto temor! E ela sentia um pavor imenso ao sentir que a linha de carretel acabasse. Logo o vermelho de seu sorriso abandonado no meio da felicidade!

Ela, a boneca de plástico e outras vezes de pano sentia alegria o dia inteiro! E tristeza apenas quando desconfiava de que o seu sorriso ininterrupto pudesse deixar de ornamentar as vitrines mais simples e as mais sofisticadas da cidade.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A loucura rodopiava



Ele desconfiava de que a mãe era louca. E às vezes parecia completamente louca. Era-lhe difícil admitir tal estado psíquico, logo da mãe! Ele lutava contra os próprios pensamentos e dizia que não, não, não, a mãe não era louca, a minha mãe não é louca, ele repetia, rodopiando pela casa e atormentado em seu quarto. Ele rodopiava em cima da cama, na hora de dormir, rodopiava, rodopiava como um parafuso que despenca no chão, sem rumo, e rodopia, rodopia e às vezes desaparece.

Ele, apesar de muito relutar, num esforço de convencer a si mesmo de que a mãe não era louca começou a admitir que não tinha mais como enganar a si mesmo e nem adiar o tempo. Assim, impotente diante do acúmulo de cenas atormentadoras, ele, num choro profundo, manifestou a dura realidade. Entretanto, apenas para si mesmo, tudo travado em seus pensamentos.

E depois, minutos depois, destravou.

A opressão forçou tanto que ele ouviu o ruir das paredes do pensamento, e, então, ele gritou desesperadamente em seu quarto, ele escondido debaixo do cobertor. “Ela é louca. A minha mãe é louca. A minha mãe, ela é louca”. E ficou ali, angustiado, ouvindo o eco de sua própria voz rodopiando dentro do quarto e atravessando as estreitas frestas da porta e da janela. O eco que atravessava a fresta da porta se misturava a outros que circulavam na sala e demais dependências da casa,ele desesperado, enquanto o eco que atravessava a fresta da janela circulava na rua e nos apartamentos circunvizinhos. Ele ainda mais encolhido debaixo do cobertor, e o vapor quente ruborizava o seu rosto sempre tão pálido.