quarta-feira, 4 de junho de 2014

Uma ideia para um texto

Hoje, enquanto eu tomava café da manhã, olhava o dia lá fora e veio a mim a ideia de escrever um conto que comece assim: “Eram duas mulheres. Uma se chamava Maria e a outra também Maria. Uma era das Graças e a outra das Dores”.

De repente, a minha memória deu um zoom no tempo e evidenciou dados ainda desordenados, deixando comigo a suposição de que esta ideia não tem nada de novo. Uma sensação de que alguém bem conhecido já escreveu um conto, qualquer gênero, um texto exatamente assim. Duas Marias iguais, e diferentes. Uma era assim e a outra de outro jeito; uma pensava assim e a outra de maneira oposta.

Na perspectiva de não estar repetindo o já dito (e a depender do ponto de vista devo dizer “ilusória perspectiva”), comecei a pensar noutra coisa. Uma coisa comum, bem comum, quase o óbvio, mas fiquei ali pensando: tudo parece já ter sido dito ou repetido neste tempo pós-moderno, ou contemporâneo. Pós-Moderno é tão pós que ainda deixa polêmicas no universo conceitual: o tempo pós-moderno, a pós-modernidade cultural, o modernismo tardio, o pós-modernismo estético e outros pós.

Retornando: tudo se repete e é espalhado nesta contemporaneidade onde tudo (entre aspas, talvez) se intercala e se faz novo (a propósito, uma transcrição: as coisas velhas já passaram, eis que tudo se fez novo), sem que, contudo, cada texto se desloque ou seja deslocado de seu caráter, único, transponível tantas vezes em referências tão sutis, ou nada de referência mas apenas semelhanças casuais em tempo e espaço paralelos ou adversos.

Não sei o enredo da narrativa composta por Maria das dores e Maria das graças, as duas num mesmo texto, e nem sei se realmente vi alguma referência, e se vi, ou quem escreveu. A poesia. Foi na poesia. Foi? Mas se de fato elas assim existem dentro de um contexto literário, não sei se a das graças era a que sofria as dores e se a das dores era a que recebia mais misericórdias ou se era das Dores mesmo.

Na verdade, ao pensar nas duas Marias, eu pensei mesmo foi neste antagonismo que até rima com pós-modernismo. Uma rimazinha fraquinha, ismo com ismo, mas, por outro lado, haja Maria para discutir estes dois termos! E, ao dizer Maria, digo também João. Mas, retomando o começo da ideia, do conto, do texto:

“Hoje, enquanto tomava café da manhã, olhava o dia lá fora, e veio a mim a ideia de escrever um texto que comece assim:”. Interrompi o pensamento. A companhia tocou, ele foi até a porta e, tão indeciso quanto ao seu humor naquela manhã, ficou sem saber se abriria ou não. A companhia sem aviso prévio, o café esfriando, e ele, sem decidir se queria, abriu a porta. Era ela. Ela, propositalmente, chegou sem aviso prévio e com um sorriso largo, e ele obrigou-se a fazer o mesmo um sorriso largo. Imediatamente após aquele imprevisto, ele exclamou:

- Maria! Maria das Graças!

Ela soltou uma gargalhada, e logo em seguida afirmou não haver mais graça alguma em ele trocar o seu nome, e que ela não tinha problema nenhum em ser das dores, se era cheia de graça. E foi enfática:

- Das Dores. Maria das Dores.

Tomei mais um gole de café, e mais um, enquanto pensava na sequência da história, e pensei na possibilidade de a dor ser metamorfoseada, ela mesma se metamorfosear e alçar outros voos; deslocar-se ao encontro de algum prazer, algum gozo. Afinal, o indesejado pode ser um meio para aquilo que virá a ser alívio, o não ser para ser, e o ser para não ser. Dores e graças: nomes, apenas nomes, e o efeito de cada palavras enquanto sentidos bem ao pé da letra. Talvez, eu divagando, talvez. Talvez é um sentido que não define tanto, é instável, é indefinido, e, às vezes, o seu estado tênue é uma sensação que provoca dor. Outras vezes, causa graça.

Tomei mais um gole de café. Catei palavras, percorri a criação em busca de uma sequência, e nada. Por um tempo, nada, mas há um tempo, a criação pode ser interrompida, temporariamente, uma necessidade até, tantas vezes.

Ele ficou parado diante dela. Ela, como às vezes fazia, não entrou em sua casa naquele dia. Da mesma maneira agia Maria das Graças. Tudo era relativo. Elas estavam ali, o acaso e a intuição, elas se revelando independentes, firmes. Imprevisíveis, transcendiam ao sabor do instante, e se multiplicavam num percurso desenhado não apenas pelo imaginário.