sábado, 28 de fevereiro de 2015

Prefácio do livro "Enquanto as folhas são espalhadas pelo vento" (2002) (Parte)


Enquanto ouço algumas das diversas histórias que surgem no dia a dia, inevitavelmente vou criando imagens, frases, parágrafos e, descompromissadamente, os visualizo como possibilidades de contos. Algumas vezes, tento transcrevê-los e percebo que não passam de empolgações de um instantes ou que nem tudo é contagiante quando vai para o papel. Parece haver o vazio da descoberta, ao menos para o ato de escrever, quando os significantes terminam não satisfazendo a angústia e o prazer da procura. No entanto, além de uma possível elaboração dessas histórias, mesmo correndo o risco de, algumas vezes, se tornar um texto insosso, é possível criar e recriar a partir dessas diversas situações. A história pode se tornar uma outra, independente, adquirindo a sua própria voz em meio a possíveis semelhanças entre o que foi e o que é.

Foi assim que comecei a elaborar e também a desistir de alguns contos. Alguns deles se perderam pelos primeiros parágrafos; outros insistiram em suas existências mesmo que para permanecerem engavetadas. Porém, mesmo desconfiado, fui acreditando que alguns deles, em meio a esforços e exercícios, conseguiram agradar a alguns leitores abertos a leituras, digamos, experimentais. Revisões diversas e a angústia de nunca vê-los impassíveis de mudanças. Até que um dia, como um frito de curiosidade e de desejo forte de arriscar, tomado por uma coragem de realizá-los como literatura, eles chegaram até aqui, se expondo, talvez pretensiosamente, como resultado de textos concluídos - até o instante de cada leitor prossegui-los com os seus próprios questionamentos e conclusões.

O primeiro desta série de contos é exatamente o que dá título ao livro. Era inverno de 2000 e, depois de um longo tempo olhando a imagem exposta lá fora, as árvores secas, as folhas amareladas e avermelhadas a rolar pelas ruas ainda com resto de neve, paisagem sombria e a me remeter a uma outra imagem longe, distante, porém muito mais próxima do que tudo naquele instante, frases foram sendo formadas na tentativa de transcrever aquela conexão de instantes. Surgiu, então, "Enquanto as folhas são espalhadas pelo vento", texto originalmente mais extenso do que o definitivo. Muitas vezes, as palavras vêm como correntezas fortes, emoções sem limites, informações sem medida, levando o texto a se exceder no seu objetivo inicial, havendo assim uma certa necessidade de ajustes em favor de uma sintonia maior com a literatura e, claro, com o leitor. Escrever nem sempre é se deixar levar por todas as emoções que nos invadem, mas tentar excluir o que nos parece excesso sem, no entanto, ferir o excesso que nos impulsiona a escrever. E, nesta ansiedade natural em busca de um certo equilíbrio, muitas folhas vão sendo espalhadas pelo vento, ora encontrando um aconchego, ora vivendo em seus desassossegos.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

Foi o silêncio


Foi o silêncio, my dear! Foi o silêncio que me fez calar assim
O silêncio que repousa depois de atravessar uma multidão inteira ao redor.
Percebe o que digo?
A multidão pode ser inteira, cheia de vozes, cheia de palavras, bem tal como o foi horas atrás, mas, ainda assim, suas vozes podem ser inaudíveis,
e não apenas.
Percebe agora?
Perceba que as palavras podem ser exuberantes, mas serem opacas e até invisíveis,
sem som algum a sair das bocas em movimentos e nada mais,
os lábios a gesticularem palavras num silêncio preciso.
É o silêncio, my darling! É o silêncio que repousa entre as flores do jardim, em movimentos determinados pelo vento...
O vento, my dear! O vento uiva como leão e murmura em silencio com a mais doce delicadeza,
mas não apenas.
E nem apenas o vento.