terça-feira, 21 de abril de 2015

Noimarel e a varinha que não era de ouro

e depois ainda teve coragem de cutucar com vara curta para ver se era verdade. Nem precisou cutucar pela segunda vez, pois S.P.T já foi logo levantando os ombros e levantando as mãos e estendendo as mãos, e os seus olhos foram se expressando de uma maneira estranha e insinuando que estava pronto a fazer qualquer coisa para realizar os seus desejos. Não os seus próprios desejos, mas os dele, que estava bem ali diante do seu olhar disfarçado de quem nem estava prestando atenção em seus passos. Ai pronto, foi só falar em realizar desejos que a cabeça de Noimarel deu logo aquela enlouquecida guinada e imaginou-se fazendo todas as coisas que a sua carne trêmula desejava. No princípio, até que ficou desconfiado da veracidade daquele sorriso, pois não podia acreditar que tantos prazeres estavam bem ali diante dos seus olhos: e ele poderia colocar o seu próximo passo no degrau que ele mais ansiava. Até que pensou que poderia haver alguma verdade que não as estampadas nas promessas cantaroladas, docemente, por S.P.T, pelas quais, ele, Noimarel, era capaz de dar a sua vida enfeitada com cores e com roupa "luxenta", “podre de chic”, como ele gostava. Aqueles ingressos plurais em suas mãos, o dinheiro da moda, um álbum cheinho de fotografias com tantos rostos à mercê de uma liberdade de escolha a três por quatro, no quarto ou na rua. Mas, se ao menos as coisas parassem por ai!...

No entanto, exatamente depois de ter acontecido tantas coisas que lhe doeram em tantas partes, achou de cutucar S.P.T com a vara curta, de tão quebrada que as suas pontas já haviam sido. No começo, até que ficou com aquele meio receio: quando alguns filmes antigos, e de ontem, e de sábado, e do mês anterior passaram iguais a relâmpagos e trovões pela sua cabeça. Mas, depois da primeira manifestação de ter sido espicaçado e atiçado por S.P.T, havia travado uma guerra: aparentemente sutil. Dessa história contaram que, no primeiro vacilo dado por Noimarel, S.P.T fez de conta que estava se espreguiçando e, naquela de estirar os braços, foi lá e “crau”: puxou aquele pedaço de vara que já estava tão curta e a tornou em mil pedacinhos: a ponto de suas unhas ficarem bem encardidas por aquela estranha tinta furta-cor. Neste momento, ele teve um sintoma de pânico e até sentiu uns calafrios estremecendo a sua garganta. Porém, não se sabe se foi mágica, mas sabe-se que, diante do seu olhar espantado, S.P.T juntou aqueles pedacinhos de madeira até que, de repente, a vara estava inteirinha novamente. Tudo isto diante do olhar perplexo de Noimarel, que foi tomado por um desejo compulsivo de observar cada foto daquele álbum de fotografias. S.P.T virou as costas por uns poucos segundos e, quando virou de frente, foi com aquele sorriso largo, misterioso, e estendeu diante dos olhos de Noimarel uma varinha completamente dourada de um puro ouro, que de tão dourada não suportou a própria sedução e virou fogo: aquele ouro se esparramando pelo chão. Noimarel, que se achava tão esperto e dotado de todas as peripécias de ocultar as suas ações irreveláveis, quase deu um grito de pavor, mas, sorriu ao concordar que aquela varinha poderia encantar todos os seus desejos de sedução e planos outros. Pronto: em meio a calafrios, nem percebeu que uma porção de cera vermelha havia caído diante dos seus pés: vinda daquela varinha que era mais do que de condão. S.P.T tinha a mórbida mania de usar este gesto como um selo de acordo, sorrateiramente!

Noimarel ficou ali meio querendo sair e meio querendo ficar, quando percebeu que um terceiro calafrio fez estremecer todo o seu corpo. Disfarçou que tudo era uma brincadeira: da vara, um livro de páginas velhíssimas foi lançado aos seus pés. A capa era novíssima, como impressa naquele exato momento. Olhou bem para o título do livro, e tomado por um pavor, correu para o seu quarto, que já não era o seu quarto. Percebeu que estava tão escuro, que ele seria capaz de fazer qualquer coisa para voltar ao brilho daquela varinha que só podia mesmo era ser mágica. Ficou ali titubeando. De repente, foi tomado por uma angústia que se misturava com as tantas coisas maravilhosas que dizia estar vivendo. Estranhou aquela escuridão e lamentou baixinho o estar num abominável e bolorento quarto gelado, onde, de forma obscura, a desejada luz havia atravessado os vidros da janela que ele mesmo havia pintado num dia de muita euforia. Ficou ali pensando estas coisas, e estas palavras pareciam ecos de palavras que lhes eram intimamente presentes.

Não suportando aquele negrume, recorreu ao brilho misterioso da varinha de condão. Daí pra frente, como se tomado por algum efeito de poção mágica, foi se entregando a todos os caminhos que ela lhe conduzia. Abriu aquele álbum de fotografias e fez viagens dionisíacas. Suores pelo seu corpo, umidades de prazeres em suas entranhas, embalado pelo erotismo de um gosto musical peculiar. Sentia o impregnar de tantos corpos ao seu, num verdadeiro fluxo de consciência. Luzes diversas estavam brilhando em sua vida, uma verdadeira festa como sempre ambicionava. O seu sorriso se alargava e já nem mais sentia saudades de algum tempo: se o seu futuro lhe era promessas de tantos álbuns de fotografias fascinantes.

Um dia, porém, o pêndulo voltou a oscilar para trás. Pode parecer estranho, mas o primeiro indício perceptível foi uma crosta grossa que começou a nascer em sua cabeça, entrelaçando em cada fio dos seus cabelos, enraizando pela sua testa, em volta das suas orelhas, até se manifestar no meio das suas costas. Pode parecer estranho: o seu perfume foi invadido por um mal cheiro que afetava todos os seus hálitos. Então, numa madrugada em que o seu peito se corroía de tremor, levantou-se da cama e, subitamente, se lembrou daquela varinha que havia se tornado em ouro até se tornar em fogo e, derretida, se espalhou pelo chão.

Num gesto de súplica, mesmo contra a sua vontade, evocou por S.P.T, mas não mais o encontrou. Visualizou o reluzir dourado da varinha, na tentativa de fitar a profundeza do seu brilho, entretanto, não encontrava forças ao sentir que aquela luz poderia destruir a sua retina. Queria penetrar o infinito em busca de respostas, mas, diante do que lhe era impossível, se sentiu lançado do êxtase do contentamento para uma dor que lhe ardia a alma. Deixou-se cair pelo chão e, sussurrando ao seu coração, queixou a si mesmo de um espetáculo tão maravilhoso e que começava a desaparecer diante dos seus anseios! “Tão somente um espetáculo, um espetáculo encantador!...” Lamentava. E falava de uma vontade de agarrar entre as suas mãos e o seu peito a infinita natureza que estava diante dele! “Nesta dor que em mim arde pareço me consumir!”, balbuciou; e chorou um pouco, com a escassez do seu choro. Lembrou-se da estranha permuta feita em busca de suas expectativas e da sua velada coragem em ceder o que de mais intimo possuía. Ficou ali prostrado com o rosto colado em seus desejos, até que uma meia-luz apareceu sobre os seus ombros e, garante ele, uma espécie de voz penetrou em seus ouvidos, dizendo que podemos ser livres para fazer a primeira escolha, mas que da segunda em diante pode ser que nunca nos seja cedida o comando. Enquanto ele refletia sobre estas palavras, um estridente e ensurdecedor assobio ecoou, pungentemente, em seu ouvido.

Em meio a uma melodia densa e inesquecível, ele ouvia palavras e assobios que dilatavam em seu peito a sensação de que eram semelhantes a ecos de uma história que muito já havia escutado.