quarta-feira, 20 de maio de 2015

Quase interlocuções


"Nunca contei nada de importante a quase ninguém. Fui me fazendo sozinho, obstinado, secreto." "Grite, repeti-me inutilmente com um suspiro de profunda quietude"... "... fechei-me na casa de banho para não me ver chorar." Louco. Uma loucura impenetrável pela lucidez tardia... "... acendo-me e me apago, acendo e apago, acendo e apago...” Lispector. Lobo Antunes... Versus (in)versus, o primeiro que escrevi. Algumas coisas infantis. Reli Lobo Antunes hoje... Ele é mesmo fantástico.

A vida muda. Mudanças e emudecimentos. Imagino o dia de amanhã como o primeiro de muitos bons dias... Ainda bem que temos tantas outras fases depois das que não desejamos! Reflexões depois de algumas leituras interessantes: a vida pode nos surpreender com um amor que nem imaginávamos existir. Bobeira pensar que já vivemos o maior amor, pois, muitas vezes, ele ainda está por vir, até o dia em que chegar. Não sei se é possível explicar essas coisas.

Amores redescobertos. Hoje, novamente, pensei muito no filme As Horas. Laura. Clarissa. Clarice. Vaughn. Lispector. Virgínia. Cenas incessantes.

Fui dormir feliz ontem! Eu precisava ouvir tudo aquilo que ouvi... Eu precisava dizer tudo aquilo que disse... Muita coisa para ser discutida... Somos às vezes tão bobos! Um pouco da ingenuidade que não se vai para sempre... Amanhã às 13:30 vou trabalhar no lugar de M. Preciso pensar no que melhor fazer, pois foi uma emergência e fui avisado hoje. Hoje não estou conseguindo me lembrar de muitas coisas. Limitado estou às boas palavras que ontem ouvi, disse e senti ao telefone, e das coisas tantas que ficaram em meu coração. Alguém vai mudar de estado e cidade. Alguém, certamente! Distância pode tornar-se quase nada, você sabe disto. E eu também sei. O prazer da relação deve triturar a distancia. Alguém precisa mudar de cidade. Morros, serras, mirantes... É lá, ali, aqui onde está o duradouro ou o efêmero de cada um!

Já comi tanto doce hoje! Chocolates desde ontem... E pastel de goiabada.... Rssssss....

Preciso terminar de escrever o artigo. Memórias! Preciso concluí-lo, mas vou parar de repente, sem a preocupação de ter concluído ou não. Às vezes, escrever é assim, parece que nunca está pronto. Essa coisa cheia de prazer e às vezes neurótica. Ler, ler, escrever, escrever, corrigir, corrigir. Façamos de conta que concluímos ou não.

Meu Deus... realmente basta termos paciência e muitas coisas podem melhorar, curar, sarar! Acontecer. Tantos pensamentos juntos! É assim, às vezes. Algumas vezes conheci a dor dilacerante, e não posso ter dúvida que um dia um alívio chega. E essa vida correndo e pulsando dentro e fora da gente... Mesmo angustiado, temos que ter visão, e ter coragem. E paramos, e morremos um pouco, mas buscamos forças e prosseguimos, e fazemos o maior esforço para limpar os joelhos, e encontramos a vida sempre, novamente. E, como doem os joelhos! As marcas, as dores, mas, um dia, apenas cicatrizes, cicatrizadas, quase totalmente curadas. Quase, pois a memória tem também os seus percursos sutis, leves, secretos, e costumam, às vezes, querer nos levar a rever as fotografias velhas e amareladas do passado. Mas não mais nos assustamos com elas. Fotografias velhas são fotografias velhas e os nossos joelhos precisam estar sarados. Não sacrificar tanto os nossos joelhos. Cuidar da mente, do coração, dos traumas. Crescemos, e não podemos dar tanta margem aos traumas. Tudo tão complexo! Buscas. Enquanto digo isso, sou tomado pela cena em que Richard, em rugas e em grisalhos se recorda da sua infância... “Mamããããããe...” Que cena! E ainda mais acompanhada daquela música. P. Glass. Laura! A vida e tantas fotografias. Aquela foto em preto e branco... Aquele grito... E o impressionante O Grito, de Munch; e o grito de Bergman, Gritos e Sussurros... Amo esse filme. Consegui alguns filmes dele. Morangos Silvestres, Através de um espelho... “Traçamos um círculo imaginário ao nosso redor, para afastar aquilo que não faça parte do nosso jogo secreto.” Se a vida rompe esse círculo, os jogos ficam sem sentido... “e construímos um novo círculo e novas defesas.” Acho esse discurso muito interessante.

Deixemos as fotos guardadas, e passemos a tesoura nelas... Crot crot crot... Somos muito mais fortes que as fotografias passadas. Não se justifica que fotografias sejam mais do que nós, afinal, fotos são apenas imitações da vida. Benjamim! Rsss... Crot crot crot.

Estou ouvindo As Quatro Últimas Canções, de Strauss. Sou apaixonado... Apaixonado. Textos e músicas cortantes... As minhas saudades do agora, as minhas lembranças do presente instante, os meus desejos, o amor... A vida. Os sonhos que sempre se renovam, e renascem, e são regados mesmo quando sobram apenas as últimas gotas... Gotas se multiplicam e se multiplicam... e podem fazer oceanos, se lutamos e lutamos e novamente limpamos os joelhos. E, como diz Richard, “Mas ainda restam as horas, certo? Passa uma, depois outra, você atravessa uma, mas ai tem a outra.”

Eu não queria viajar pra ai hoje. Queria ficar aqui dentro de casa, terminando de ler Mrs. Dalloway... e, assim que acabasse, ir à rua e comprar o novo livro de V. Woolf, lançado recentemente no Brasil, capa dura, vermelho meio vinho, erotizada...

(o cheiro do quarto ou quinto café que preparo hoje...)

Eu comendo letras, tragando-as pela minha emoção deste dia... rsss... Esta flor no “porta-retrato” está bem erotizada... O sexo se dilatando, se abrindo, deixando as mãos agora abertas, o desejo aberto... Hoje folheei Os Cem Melhores Poemas. Determinar os cem mais, os dez mais, pode parecer meio complexo, mas, partindo da visão de cada um dos conhecedores do assunto... Nos Cem tem Ana Cristina César, Adélia, Bandeira, Torquato, Vinícius, e A. dos Anjos, “toma um fósforo. Acende teu cigarro!”, e tem Bandeira, João Cabral, tanta coisa boa... Uma vez li um pra papai e ele caiu na gargalhada. Filosofia de Ascenso Ferreira: “Hora de comer – comer! Hora de dormir – dormir! Hora de vadiar – vadiar? Hora de trabalhar? – Pernas pro ar que ninguém é de ferro.”

Vontade de doces. Rsss... “Sempre dando festa para esconder o silêncio!” As incessantes imagens de Mrs. Dalloway! O silêncio e tantos significados. Eu não quero que seja hoje!... Aquelas coisas ditas e repetidas: desejo antes o abraço que ainda não dei, e antes o beijo que ainda não senti, e antes o sexo que não gozei, e antes o olhar nos olhos e dizer novamente "eu te amo"... É preciso sempre reencontrar a vida, caso contrário, ela passa todas as horas, enquanto perdemos tanto tempo diante do nada, e diante das perguntas sem respostas, e diante do vazio repetitivo e que não produz solução alguma. Não perder o reencontro. Eu preciso muito deste encontro ontem, mas ontem passou, e preciso deste dia junto de mim, bem junto da minha alma e do meu corpo.

Por um lado, eu queria estar agora pelas ruas da cidade que não é esta! Andaria todos os quilômetros rumo a este encontro de hoje. Vontade de andar pela avenida solitária e silenciosa, e andar pelos caminhos silenciosos da noite quase escura.

Quero chorar. Um choro de tanta saudade, e não alimentar saudades utópicas. Fantasiar a vida, quando necessário. Fantasias diversas, e o brincar com elas quando a dor suplicar. E gritar com ela, se for preciso, mesmo que ela seja mais que eu. Beijos, e até amanhã. Eu preciso arrumar a bagagem. Sempre arrumo a bagagem no último instante.

Publicado em "O Silêncio e a Bagagem"