Ontem fui à 80ª Feira do Livro de Lisboa. Livros. Muitos livros. Páginas e páginas recheadas de obras-primas e outras nem tanto ou uma longa, muito longa distância. Todos com os seus leitores apaixonados e, possivelmente, outros menos. Mas são leitores, o que é fundamental. O poder de atracão do livro, a sua sedução que atrai o leitor para dentro das suas páginas e para o seu enredo quando tudo, absolutamente tudo se transforma em real, mesmo que seja ficção, ou assim chamado.
Fui direto para o Espaço Leya, que está ainda mais bem estruturado que o ano passado. Uma organização impecável e tantos e tantos livros em suas estantes. Levei comigo a minha edição brasileira de Memória de Elefante, cheio de grifos e anotações em vermelho e em gravite: lido e relido. Em sua página em branco faltava um autógrafo do seu autor e grande mestre da narrativa António Lobo Antunes.
Uma fila já havia sido iniciada, e sobre a pequena mesa diante dele passava os seus mais diversos títulos para mais um dos seus inúmeros autógrafos. Nas prateleiras, os seus livros, todos atraentes, convidativos. Adquiri O Fado Alexandrino e fui para o meu lugar na fila, levando comigo a paciência melhor possível. Afinal, Lobo Antunes é aquele autor que sabe compartilhar algum diálogo com os seus leitores, por mais breve que seja. Eu ali observando o seu prazer em tocar em seus livros, as suas criações tão criteriosas, as mãos se deslizando sobre as capas num sentimento de intimidade e de afeto.
Chegou a minha vez. Eu, os meus dois outros volumes dos seus romances, e um prazer repetido do ano passado. Primeiro entreguei O Fado Alexandrino e comecei a falar um pouco, bem breve, o mais breve possível, se havia uma fila e muitos outros livros para serem autografados. Falei da minha Pesquisa e entreguei o meu volume do Memória de Elefante, enquanto declarava a minha paixão por este romance. O entusiasmo inevitável e, quando percebi, já estava mostrando, ao seu autor, uma das passagens que considero das mais marcantes, e são muitas e muitas, dos seus romances: “Herdei talvez de ti o gosto do silêncio […]. O gosto do silêncio e o fitarmo-nos como estranhos separados por distância impossível de abolir, que pensarás de facto de mim, da minha vontade informulada de te reentrar no útero para um demorado sono mineral sem sonhos, pausa de pedra nesta corrida que me apavora e que do exterior se me diria imposta, enfrenesiado trote da angústia na direcção do repouso que não há.”. Ele olhou o texto, muito brevemente, e exclamou com uma ternura que percorre as suas páginas:
“Minha mãe!”
Não podia me prolongar mais. Era a minha hora que se excedia, se havia uma fila, livros, outros enredos, outros leitores apaixonados pelas suas narrativas. Mais um breve encontro com o autor, bem breve, mas de prazer e resultado demais valoroso. É quando o que parece ser pouco é imenso e muito produtivo.
No final, agradeci a Lobo Antunes por ter me ofertado um volume do A Explicação dos Pássaros. Contentamento atraindo contentamento. Sai de lá com os meus três volumes e a vontade de ler, ler, ler…
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