quinta-feira, 16 de outubro de 2014

que não havia sido nada a não ser o número do telefone

Perdeu o número do telefone no meio dos papéis, anotações, rabiscos de narrativas
ou mesmo um poema depois de tudo
perdeu o número do telefone
e os olhos azuis brilhando
em sua memória o olhar bem azul
e os seus olhos em busca do número do telefone
misturado a tantos papéis sobre o armário, empilhados os papéis
desordenadamente
em meio ao desejo,
o desejo de algum telefonema assim que retornasse
daquela viagem.

Nem acreditou direito!
Nem acreditou e nem assimilou direito quando, quase no mesmo lugar, os olhos azuis reluzindo
repentinamente,
surgindo de lá,
na contramão do passeio público.

Quem, quem na contramão do passeio público? E os olhares apreensivos, mais inexplicáveis que da primeira vez, e o azul brilhando muito mais que antes, o brilho azul penetrando dentro
dos olhos negros
e o silêncio,
e o desejo de explicação, e o desejo,
o desejo de explicar que não havia sido nada a não ser o número do telefone, perdido
no meio de tantas anotações que nem eram poema,
não eram,
ainda.

quinta-feira, 2 de outubro de 2014

Num entra e sai num entra e sai num entra e sai


Ela já estava perto da porta quando disse, bem alto, que iria ali buscar qualquer coisa que eu não entendi direito o que era, tamanha a sua pressa e depois o eco da batida da porta a me confundir ainda mais. Para não dizer que eu não ouvi nada, eu só ouvi quando ela disse Mããããeee como se eu estivesse lá não sei onde, e eu bem aqui perto, feito uma louca pra fazer o melhor que posso por aquela menina.

Rosalinda sempre foi assim, num diacho de uma correria desenfreada, num entra e sai do quarto e num entra e sai do banheiro e num entra e sai por aquela porta da rua. Num entra e sai num entra e sai num entra e sai sem fim, uma coisa que nem eu e nem o pai e nem o irmão e nenhum dos avós nunca foi de ficar fazendo.

Minutos depois, coisa de uma horinha de relógio, advinha quem entra! Ela, a Rosalinda, e de novo Mãããeee, cheguei! E foi tudo o que ela disse. Quando eu vim de lá de dentro da cozinha para saber que desespero era aquele, o que eu ouvi foi só a batida da porta do quarto e o danado do eco novamente a perturbar o meu juízo que já vive meio assim de tanto entra e sai dessa menina, e de tanto bate-porta, e de tanto gritar Mãããeee e dizer lá não sei o quê.

Fui em direção ao quarto, já quase gritando:

Ôh, Menina, o que é que está acontecendo que hoje você está nesse entra e sai pior do que nos outros dias?

Mas, na mesma hora, eu fui tomada por uma voz que me socorreu e disse:

“Arelzina, Arelzina, larga essa menina pra lá, pois você sabe muito bem o que foi que ela lhe disse da última que você bateu na porta desse quarto!”

Pois bem, eu larguei pra lá. Mas fiquei com essa pergunta engasgada no meio de minha garganta, bem aqui, ó, e com o coração na boca, quase escapulindo pra fora.

Menina, o que é que está acontecendo que hoje você está nesse entra e sai pior do que dos outros dias? Você está pensando o quê, menina? Que você vai me enlouquecer feito a Almelinda? Ah, mas não vai mesmo, Rosalinda! Não sei onde foi que eu estava quando eu inventei de colocar esse nome em você! Rosa linda! De rosa você não tem é nada.

Eu ia dizer bem assim pra ela, mas a danada daquela voz que fica num entra e sai num entra e sai num entra e sai de minha cabeça falou aquelas coisas lá e o resultado foi que eu fiquei com essa coisa espinhenta bem no meio de minha garganta. Bem aqui, ó!

Rosalinda! Ah, Rosalinda! Essa menina, sei não, viu! De rosa não tem é nada. E agora acaba de vir uma coisa em minha cabeça... Ainda bem que eu não disse que de rosa ela não tem é nada. Deixa pra lá, melhor eu ficar com essa coisa espinhenta em minha garganta.