sexta-feira, 17 de julho de 2009

Pescador de enigmas (Trecho)

"Aquela necessidade de pensar, instigar e remoer tal situação se tornava incontrolável, e ele se entregava, e pensava “antes que alguém chegue, ou o telefone toque, o interfone, alguma voz...” Medo de ser interrompido. Fantasia cruel, “mas não é fantasia o que sinto”. Os enredos e os diálogos lhe criavam sofrimentos. Fantasias que lhe provocavam um vazio corrosivo. E pensava sempre um pouco mais, beirando as margens da imaginação. Aquele controle remoto em suas mãos “repetindo, repetindo, repetindo, como num disco riscado, o velho texto batido” e “cutucando, relembrando, reabrindo”, Maria Rita e Garfunkel, intensos, viscerais, a música tocando, e ele sem nem mais saber o que era verdade e o que era mentira.
De repente, um sorriso se alargou até às gargalhadas. Novamente, um olhar quase indecifrável. Em seu colo, páginas de Artaud diziam que “em todo demente há um gênio incompreendido cujas idéias, brilhando em sua cabeça, apavoram as pessoas.” Grifou essas palavras com um grafite quase perfurando a folha, e prosseguiu a leitura, compulsivamente."

(Trecho do conto Pescador de enigmas. In: O silêncio e a bagagem)

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