"[...] a mala se esvaziando, a mala se esvaziando, veementemente se esvaziando, sem nem mesmo alguma peça de roupa ter sido, pelo menos, dobrada e guardada dentro dela. A mala ainda vazia, completamente vazia, e já se esvaziando, se esvaziando, o fundo, o fundo da mala tão escuro de tamanha profundidade, e totalmente escancarado para o nada. Nada ali dentro da mala que seria tão pequena para o tanto a ser transportado, e o denso cheiro de vazio dentro da sua imensidão."
segunda-feira, 9 de julho de 2012
Não apenas na paisagem lá fora
Não era apenas um vento, se lá fora a relva seca era desprendida da terra e, como chuva frente ao vento, rodopiava no ar: a terra rodopiando, o mundo rodopiado e silencioso dentro da casa de onde o olhar expressava um vazio. E por detrás do vazio, o que havia era uma paisagem cheia de fragmentos cálidos e frígidos do nada, absolutamente nada, um universo de sentimentos insinuantes.
Nada lá detrás das vidraças quase opacas pelo imperioso inverno, e tudo, absolutamente tudo: afinal, o que é o nada, se dele floresce introspectivas sensações que sussurram e se revelam expressivas no olhar?
Aquele cenário era um deserto. Um deserto não apenas na paisagem lá fora. Eram desertos: de um poço, abundava água talvez um dia cristalina, e depois era umidade, poeira, amarelidão da ventania, da tempestade, a terra estagnada, a vida estagnada, o pensamento, o desejo, as lembranças, tudo estagnado, nada mais dentro do poço, nada mais sobre a mesa, copos vazios.
O vazio não apenas nos copos sobre a mesa. E o vento. A ventania gritando lá fora, e lá dentro pulsando silenciosamente.
(Escrito a partir do filme "O Cavalo de Turim")
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Era o deserto, o deserto dentro dela...depois das caixas vazias, do copo vazio, da vida vazia...E as flores continuavam vivas depois do copo vazio...e então ela entendeu que a vida era assim...um vazio, ora deserto, ora florido...
ResponderExcluirBjs, meu querido amigo...
Cláudia.
As caixas, muitas! O peso das caixas, e depois alguma leveza que se revela pausadamente... Mas que chegam, enquanto a memória absorve folhas, escritos, fotografias, palavras, muitas e muitas palavras... e o que não seria!!!
ExcluirLembrou-me uma passagem de um poema de Álvaro de Campos:
ResponderExcluir«Grandes são os desertos, e tudo é deserto.
Não são algumas toneladas de pedras ou tijolos ao alto
Que disfarçam o solo, o tal solo que é tudo.
Grandes são os desertos e as almas desertas e grandes —
Desertas porque não passa por elas senão elas mesmas,
Grandes porque de ali se vê tudo, e tudo morreu.
Grandes são os desertos, minha alma!»
Um abraço,
Nuno.
Sempre a notável capacidade de relacionar leituras! E com o Álvaro de Campos torna o texto muito mais, "não apenas na paisagem lá fora"...
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