"[...] a mala se esvaziando, a mala se esvaziando, veementemente se esvaziando, sem nem mesmo alguma peça de roupa ter sido, pelo menos, dobrada e guardada dentro dela. A mala ainda vazia, completamente vazia, e já se esvaziando, se esvaziando, o fundo, o fundo da mala tão escuro de tamanha profundidade, e totalmente escancarado para o nada. Nada ali dentro da mala que seria tão pequena para o tanto a ser transportado, e o denso cheiro de vazio dentro da sua imensidão."
segunda-feira, 27 de maio de 2013
O Silêncio e o Tempo
Desde ontem, ela está com vontade de chorar, mas não tem conseguido. Ao final da tarde, quando tudo parecia prestes a romper em seu interior, vislumbrou qualquer coisa semelhante a uma faísca de luz, mas não era nada além de efêmeros efeitos fumegantes.
Ela, tomada pelo efeito de uma epifania deslizante, viu a tarde passar e entregar à noite o poder de dominar o tempo, para que ela, a noite com a sua enigmática cor, concluísse o dia. Entretanto, as horas - invisíveis e intocáveis - prolongaram-se perceptíveis e devoradoras como se possuíssem garras: as horas bem mais prolongadas que as de todas as noites anteriores.
A noite, tantas vezes antes piedosa ao sustentar um vaso de bálsamo, tornara arrogante e sem misericórdias. Assim, arrogante, prolongava o tempo com as suas mãos sobre os ponteiros do relógio, parados durante segundos e minutos transfigurados em horas que se distanciavam do amanhecer: aquele lugar onde estava depositada qualquer que fosse a esperança.
“Estou com vontade de chorar, desde ontem”. Ela repetiu, ao amanhecer do dia, e repetiu ao início da tarde, ainda sem saber a razão, ainda sem saber o que se passava dentro dela mesma. Mas, ao final da tarde, quando o círculo do dia estava prestes a recomeçar, ela desconfiou de que, talvez, fosse por causa das fotografias remexidas, as cartas relidas, as imagens e as palavras que se aliaram umas às outras e se transformaram numa sensação sem nome, sem rosto, sem forma, sem voz.
Tudo se fez silêncio. E ela agarrou-se a ele numa sintonia íntima. Ele, o silêncio, acolhedor, com o seu sopro sensível e quase imperceptível a conduziu naquela travessia, até o instante em que ela percebeu que o tempo se faz novo.
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Pronto, está aí a resposta do silêncio. Como sempre um texto admirável, e “Estou com vontade de chorar, desde ontem”. Ela repetiu, ao amanhecer do dia, e repetiu ao início da tarde, ainda sem saber a razão, ainda sem saber o que se passava dentro dela mesma. Na verdade ela sabe a razão, só não aceita.
ResponderExcluirKátia Veiga