sábado, 26 de junho de 2010

Sobre o Capítulo Sete do romance de título ainda provisório - ("Antes que...") VIII

Ontem, sexta-feira - agora madrugada de sábado - conclui a escrita do Capítulo 7 do romance, depois de uma tensa possibilidade de ter perdido tudo o que dele já havia construído. Ao contrário do capítulo anterior, este foi num tempo mais breve, numa inquietação menos acelerada e menos angustiante. A angústia maior veio, mas de uma outra maneira, quando o capítulo chegava ao fim, início da página dezenove e, de repente, um impasse. Ou isto ou aquilo, ou por aqui ou por ali, reflexões a respeito dos acontecimentos, das palavras e dos diálogos em determinados instantes.
Foi ai que decidi parar um pouco e fazer a minha caminhada. Durante o percurso, de aproximadamente uma hora, os pensamentos se sossegavam o quanto possível e eu mais seguro de que deveria deixar as coisas fluírem em seus limites possíveis e pulassem para a tela. Entretanto, ao retornar, o que encontrei foi um nada diante dela, um vazio, a tela escura, a bateria arriada, e nada das cenas do presente capítulo em meio a tanto espaço disponível em 6 gigas. Uma inquieta tentativa de ligar o computador, e na tela apenas um tal de aviso de recuperação de documentos, tentativas em vão, uma sensação de nada, e a certeza de que não recuperaria as mesmas imagens se tivesse que reconstruí-las. Já era madrugada, e fui dormir com a certeza de que sim e talvez igualmente a de que não.
Às 5:30 da manhã acordei e foi o primeiro pensamento: perdi todo o capítulo! Reescrever? Nunca mais o mesmo, ainda que seja melhor a nova escrita, nunca mais a mesma coisa, nunca mais as mesmas palavras, e nem os significados de antes, nem os sentidos, nem o ritmo, nem, nem, nem.
A saída chegou por um tal modo de segurança, eu bem leigo em computador, e, pelo menos eu, acredito que a minha habilidade bem maior é escrever. Depois, já não era mais 5:30 da manhã, mas quase meio-dia. Foi quando o alívio de que ali escondido em algum lugar, apenas via Modo de Segurança, estava todo o texto, todas as páginas, esta coisa incrível da memória. Então repeti mais uma vez para mim mesmo: é preciso ter o backup.
Logo após, retornei aos pensamentos ocorridos durante a minha caminhada, alguns pensamentos que já nem eram aqueles por completo, eram aqueles e outras coisas diferentes, então, escrevi mais duas páginas e ponto final. Agora, uma primeira revisão do capítulo, uma aproximação para um maior reconhecimento depois de talvez pronto, e talvez ainda não. Hora para um outro contato com a criação, se primeiro a escrita, depois a leitura, envolvimentos semelhantes e tão diferentes.
Depois o comboio, direção Esmoriz, uma leitura durante o percurso e mais uma vez P. Lejeune: “ Não consigo mais escrever sem corrigir. […]. Tanto trabalho para chegar a quê? A um texto límpido, certamente, mais simplório. As correções não acrescentam nada, apenas enxugam, decantam, um primeiro jorro profuso.”

terça-feira, 22 de junho de 2010

"Há surpresas assim", de A. L. Antunes: uma reflexão sobre a escrita.

A escrita é também um lugar de possíveis surpresas. Elas podem surgir de espaços interiores ou exteriores, quando alguma imagem súbita se manifesta e interrompe uma sequência previamente elaborada. São imagens, em suas diversas origens, e todas elas com as suas possibilidades de entrarem, naquele instante, no texto em produção.

Há surpresa assim é uma crónica de A. L. Antunes e que, entre as suas leituras, proporciona uma reflexão a respeito desta arte solitária. A escrita. O ato de produzir é um ato impregnado de angústia. Igualmente, e muito mais, ou menos para alguns, é um ato impregnado de prazer. Ao ler Há surpresa assim, penso numa incógnita cheia de possíveis grandes surpresas e releio uma definição de ALA, que parece interromper uma sequência, e ao mesmo tempo não há qualquer interrupção, ao abrir mais um dos seus criteriosos parênteses: “escrever é uma actividade que raramente associo ao prazer”. Aqui, o que o escritor denomina de “raramente” é um significado íntimo, experiência pessoal de um escritor de produção extensa e que conquista ininterruptamente leitoras e investigadores que se interessam, com prazer, pela sua obra. É o resultado da sua entrega e das suas exigências que sabemos imensas, é o que chega até nós, leitores, em páginas de enredos transcritos em palavra selecionadas sem o acaso - se o acaso não estiver envolvido com algum grau de perfeição. Frase por frase lapidada com uma exigência, digamos, matemática, no sentido de melhor perfeição das suas metáforas e todos os efeitos de puro envolvimento literário: gavetas e mais gavetas, e tantas são as memórias que se adequam aos seus textos e os seus textos a ela.

“Às vezes há surpresa assim. Anda um homem às voltas com um livro, carregado de angústia e de dúvidas”. É o cenário que inicia a crónica, seguido pelos parênteses acima e à rara sensação de associar o ato de escrever ao sentimento de prazer. As mesmas angústias se repetem num novo texto: as suas crónicas, os seus romances, a repetição dos sentimentos, as sensações que podem ser incompreendidas se o livro, quando pronto nas mãos do leitor, são deliciados apenas em resultado final, impresso em belas capas e em páginas de manuseio agradável. E todo o processo de produção é o lugar desconhecido, talvez por mais que se tente transmitir tal sensação.

E outra vez livre dos parênteses, em Há surpresas assim observamos uma outra manifestação do sentimento de angústia expressa por ALA quanto ao texto, cada um deles, e a certeza de que elas o “acompanharão quando daqui a alguns meses o entregar ao agente e o agente aos editores, a suspeita de não ter sido capaz, de ter falhado, de dispersar em cinzas o material incandescente que tinha na mão”. Tudo depois das horas incessantes, 15 horas por dia, todos os dias, aflito, raivoso, com ganas de desistir, de jogar no lixo, tudo, tudo depois de dormir e acordar com as páginas escritas, a empenhar tempo e saúde, como expressos pelo autor em sua crônica aqui referenciada: o receio de tudo resultar em nada. Nada? Se um mestre assim se revela, fica uma reflexão, a qual pode ser muito inquieta para o aprendiz, aqui definindo aqueles que começam, que se empolgam, que ainda não perceberam que uma obra de arte está bem além de produzir um enredo e dele fazer páginas e páginas escritas, e muito menos sem a angústia da criação, e o prazer, ainda que raramente.

Depois de tudo, inclusive da exaustão, a surpresa, que me faz pensar outra vez naquilo que pode chegar do inesperado e entrar no texto: “de surpresa, o milagre de uma carta, uma pausa de amizade, de afecto e de paz no destino de sarça ardente que sou. Vem do Porto, com o retrato…”. Um retrato surge, e invade o texto, pois se faz um elemento agora essencial. E depois da ternura, da densidade e do sublime descritos, novamente os parênteses sustentando uma reflexão crítica: “porque não escrevo assim, com esta simplicidade enxuta, esta despretensiosa ternura, esta força?” Se pudermos responder, se eu puder responder, se tantas coisas: é de uma ternura e de uma força tremenda a obra de ALA, e a inquietação é mesmo uma essência que renova e intensifica a grandeza dos seus resultados. Há surpresa assim, e que nem surpresas são, mas um prazer que nos é garantido em cada um dos seus textos.

In: ANTUNES, António Lobo. Segundo livro de crónicas. Lisboa: Dom Quixote, 2002.

terça-feira, 15 de junho de 2010

"Antes que os morangos apodreçam" - VII

Finalizei o sexto capítulo do romance. Um tempo maior que os demais, a necessidade de interromper durante um dias, dois, e outros dias de apenas um parágrafo, dois, e não mais. A criação de um lado, e de outro a necessidade de interromper a escrita, por um momento, e que não seja prolongado o momento de interrupção. Assim foi a minha experiência enquanto elaborava o capítulo que agora é o último, por enquanto.
Foi na sexta-feira passada. Mais um estado de alívio, de sossego, de vazio e preenchimento de espaços, inquietações e prazer. Depois, no dia seguinte, comecei uma primeira revisão como faço com cada capítulo. Mais alguns cortes, o que parecia muito bom já não parece tanto. Corte e refacções. O que não parecia tão bom pode ser descoberto como um grande momento, diálogo fundamental. A escrita é uma surpresa, uma incógnita, um impulso, uma interrupção outras vezes.
Hoje conclui a primeira revisão. Fechei o capítulo, parcialmente, se uma nova leitura pode exigir novas mudanças. Tomara que não!
Penso que mais dois capítulos podem concluir o romance. Penso, mas não há algo determinado, se os personagens podem adiar o enredo, se as coisas, se os fatos, se os acontecimentos inesperados podem surgir.
Mais um tempo. Pensei em ficar alguns poucos dias apenas atualizando algumas leituras e um artigo a escrever. Entretanto, estava eu um pouco diante da tv, deslizando o controle de um lado para o outro, mas sem conseguir me desligar do romance. De repente, retornei ao computador, no alto da página escrevi Capítulo 7, e o enredo continuou a deslizar sobre a tela. Instantes que podem ser únicos para a escrita, portanto, imperdíveis, ainda que o sono, ainda que o cansaço, ainda que a indisposição, ainda que qualquer outro fator possa se revelar como uma espécie de impedimento.