Bela a crônica “O vestuário dos pássaros” de A. L. Antunes! Um texto simples sem ser simples, quando a simplicidade nos diz tantas coisas que marcam, que ficam, que faz surgir vida das coisas; e dos espelhos faz refletir uma infinidade de reflexões, movimentos pelo interior do ser e que nos levam a uma viagem que percorrem por paisagens da memória.
O homem diante do espelho: “De vez em quando olhava-me com estranheza de ser aquele e não nos falámos, claro. […] um desconhecido para mim; [...] não tínhamos nada a dizer um ao outro, de que raio de assuntos podíamos conversar?” Uma pausa diante da interrogação. Respostas pessoais, íntimas, fotografias reveladas e outras que ainda serão trabalhadas pelo fotógrafo que somos. Somos fotógrafos permanentes: fotografias que colocamos em grandes porta-retratos e fotografias outras guardadas. Rasgadas são algumas. Apenas rasgadas, e o destino dos pedaços é incerto: pedaços que se refazem e outros não.
Nos textos de Lobo Antunes há uma garantia de deleite. Assim é “O vestuário dos pássaros”, que tem o seu início em uma, aparentemente, cena simples do dia de ontem. Um “restaurantezeco” onde o nosso narrador come e restava apenas uma mesa vazia. Era o lugar da escrita: “apenas ao sentar-me dei conta que ficava diante de um espelho e portanto almocei comigo.” Dai a crônica prossegue, e em poucos instantes gavetas são abertas com coisas do passado. Do presente. Do futuro. Enquanto as coisas se movimentam numa terna ventania: “A varanda da sala onde junto estas palavras está fechada e contudo parece--me existir vento nas coisas.”
Ao concluir a minha primeira leitura da crônica, deixei ali a minha impressão:
Mas existe sim vento nas coisas, ainda que a varanda da sala esteja fechada, e tudo ao redor pareça silêncio. Existe sim o vento que surge das folhas que deixam de ser brancas ao deslizar das palavras impregnadas de sentimentos. Palavras que se encostam em outras palavras e juntas se libertam do abandono e criam imagens que fazem vento, muito vento. Uma ventania de prazer denso, intenso, vida (re)construida, vida rememorada de maneira especialmente antuniana: bela, não importa a paisagem do instante. I. L. Andrade
*Revista Visão Online, 7 de Janeiro de 2010: http://aeiou.visao.pt/o-vestuario-dos-passaros=f543409
Querido amigo, li e gostei muito do texto. Você é um artista Ismar, você pinta belíssimos quadros com sua matéria-prima, o signo, a letra. Te admiro muito, muito mesmo!!!
ResponderExcluirBjs,
Cláudia.
Também gostei. E em vez de ficar como comentário que fez no blogue do site ALA, fiz do seu texto também um post no nosso blogue.
ResponderExcluirO que mais posso dizer? Só que me orgulho de sua sensibilidade e talento, amigo. Poder perceber um texto de Antunes sob seu olhar é uma lição que não é para qualquer um. Por isso, me orgulho.
ResponderExcluirBeijo grande
Eneida