Não é ele, é ela quem narra “Sábado à noite é a noite mais triste da semana”, do Segundo Livro de Crónicas. A voz feminina (re)construindo todo um dia de sábado. Dentro dele, um universo que deixou de ser, e o que permanece, quando resgatado pelas lembranças e elaborado por expectativas daquilo que pode vir a ser possível. É, ainda, a narrativa de uma realidade presente apenas no desejo, que seja, que fosse, que houvesse sido um dia. É assim que, em determinado momento, a falta e o estado de estar sozinha têm as suas marcas fortes não num vazio de uma ausência, mas em seu prazer, em sua liberdade, o poder em todos os espaços dentro de casa, sobre a cama, o lençol não compartilhado.
É exatamente por ser sábado que a crónica acontece. A narradora que, contrariando o título da crônica, já inicia o seu discurso com um “ Graças a Deus tenho imensos amigos que desde a separação se preocupam comigo…”, e tudo se sucede em telefonemas, convites para ir ao cinema, um jantar, concertos, e a sala cheia de sorrisos numa vida em movimentos. É depois.
Depois dos cinzeiros esvaziados, os copos levados para a cozinha, os tapetes endireitados... É depois. A luz apagada, ela “na poltrona a olhar os prédios fronteiros, de joelhos contra a boca enquanto a manhã…” Nódoas na alcatifa contrastando com “qualquer coisa” no espelho e que a narradora chama de sorriso. Qualquer coisa.
Ela, que nunca precisou de “pastilhas contra a tristeza”, tem a música e “fotografias outras para substituir a ausência, agora presente no álbum. É a ausência, novamente até que amanhã seja domingo. É o silêncio, é o prazer descoberto nas duas mesas de cabeceiras agora apenas para ela, e é, “felizmente, a companhia da porta e dois amigos” seus “e risos”, enquanto ela fuma uma “melancolia que passa depressa". E depois. Lembrar-se que amanhã é domingo, “chegar à varanda e o silêncio da rua”, os copos levados para a cozinha, e ela: “meto os joelhos à boca e fico aqui à espera que o amigo, que o telefone, que a porta […] e me sumir na esquina.” Entretanto, não parece ser esta a conclusão, não definitiva, se a narrativa é escrita numa melodia em seu processo ritmado.
É assim que “Sábado à noite é a noite mais triste da semana” pode levar o leitor a se envolver numa espécie de construção circular. O último parágrafo se agarra ao primeiro, e a crónica prossegue, até quando a narradora permanecer sentada naquela poltrona, os joelhos contra a boca, o olhar sobre os prédios fronteiros, enquanto a manhã…
Perfeito!!! Verdadeiríssimo esse texto!
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