segunda-feira, 8 de março de 2021

"Fragmentos do diário de Martha B."

Capa: Gustav Klimt, Apple Tree

Publicação: Subterrânea Colectivo


Prefácio: Roberto Nicosia*

In questo squilibrio del dubbio, come per gli orologi sciolti di Dalì, la scrittura di Martha B. diventa liquida e pervasiva, la divagazione apre le porte ad una dialettica i cui termini di confronto sono basati sul principio di negazione della memoria.”

Projetada pela escolha que está para além de uma personalidade monolítica – o gênero diarístico é a melhor sedução da alma por um desejo em constante movimento –, o drama conflituoso de quem quer entender os sinais opacos dos eventos interiores se traduz, por Martha B., em pura capacidade criativa, à qual não é necessário compreender, mas sobretudo conectar-se: “Portanto aqui me desprendo da ordem das palavras e do pensamento, ordem no sentido de sequência”. A sua viagem através da memória é uma mala desfeita sempre no ponto de ser fechada, entretanto, pronta para uma partida futura. Se não único, todavia claro, resulta o argumento principal de quem inicia e se prepara para a leitura deste memorial: o senso de fuga e da labiríntica procura é sempre presente.

No desequilíbrio da dúvida, como pelos relógios dissolvidos de Dalí, a escritura de Martha B. se torna líquida e pervasiva, a divagacão abre as portas a uma dialética cujos términos de confronto são baseados sobre princípios de negacão da memória e da reflexão. Simon, Gael, vó Antonieta, a mãe, o pai, o irmão, Alzira, Catarine, e outros, bem como os objetos recorrentes (a janela do próprio quarto, a árvore etc…), diante da lente de uma análise prolongada por dias e meses, passam a ser figuras e emblemas de uma complexa galáxia narrativa contra cuja voz da protagonista se modula e se fragmenta em regatos e meandros.

Como um vidro despedaçado, a vida, ou melhor, as vidas de Martha não conseguem preencher o abismo dos seus próprios fragmentos. As próprias cartas do diário são uma sucessão de registros clínicos que imprimem a presença inquietante de um estado de melancolia, mas sobretudo o desejo de um mapeamento artesanal do próprio ser – consciente/inconsciente – em continua expansão e, por isto, impossível de se conter, torrencial.

Exatamente na procura das fronteiras, o centro resulta em um vazio (simbolizado na infinitude do deserto ou do silêncio), dentro do qual Martha B. escava os contornos dos fatos e das emoçōes, operando como um escultor cuja tarefa é extrair da matéria o perfil do representado: em tal atividade, nada pode ser desconsiderado, nem mesmo o não ser, que necessita de uma definição para exorcisar o risco do vazio, a negação própria de um diário.

É nesta infatigável tentativa de compreender a si mesma que Martha B. chega a se opor ao otimismo da palavra (repetida, alternada, rima imperfeita, reagrupada em lexemas), o que desempenha um papel fundamental na sintaxe dos pensamentos. Uma sintaxe repensada que, à forma dialética tradicional de tese-antítese-síntese (circular e fechada), opõe-se a um binômio aberto: uma vez introduzido o tema do dia, Martha se abandona a testar as lógicas convencionais sem jamais se interessar com a conclusão. O resultado é um efeito de não-acabado, de absoluta casualidade, de reverberação que lança o leitor em direção a ulteriores reflexões e espaços narrativos.

É exatamente aqui, para mim, que está a essência do livro de I. Luiz Andrade: as faces, os silêncios, os desertos, as angústias, as inquietações, ainda que mil vezes abordadas pela lúcida loucura de Martha, e que não podem nunca serem definidas em casos, porque o caso limita, enquanto Martha B. continua a viver na pulsão da sua procura, e a procura de todos nós que estabelecemos um diálogo com Martha. O sentido daqueles espaços deixados à nossa divagação, entre dias e dias, entre parágrafo e parágrafo, entre palavra e palavra, estendem um corredor que necessita da nossa experiência para completar-se e fechar-se em circuito a duplo fluxo, no qual o dar e ter são diretamente proporcionais à nossa necessidade de ver a profundidade deste vasto espelho emocional e psíquico.

Fragmentos do diário de Martha B. é um livro imprescindível para quem procura na escritura uma chave interpretativa do ser e a sua evolução. Não tem nada de superficial neste movimento espiral que envolve a palavra, a frase, a respiração dos parágrafos, o ritmo dos sons, as discrasias, a presença inevitável do corpo e dos sentidos, os sonhos, as lembranças, e os símbolos de uma protagonista que evoca no nome a tradição bíblica da vida ativa. O diário de Martha B. é, portanto, um pretexto para qualquer um de nós que queira penetrar ativamente nos esconderijos de uma alma feminina e no universo psíquico em geral, onde, como no mito platônico da caverna, nutre-se de sombras refletidas para iniciar a própria busca da verdade. Buona lettura.

*Tulane University - New Orleans - EUA

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Disponível nas versões e-book e física. www.amazon.com.br - www.amazon.com - www.amazon.es e demais lojas Amazon.

https://subterraneacolectivo.wixsite.com/apresentacao/i-luiz-andrade

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