Ao dobrarem a esquina já não eram as mesmas pessoas, já não eram as mesmas vestes, já não eram os mesmos ornamentos. Nada mais era a mesma coisa, e, por mais que as vestes fossem outras, as pessoas que surgiam ao dobrar de cada esquina eram a mesma. Uma única pessoa, apesar das feições diferentes. Por dentro, o ser igual, idêntico como máscaras pintadas ou esculpidas em séries múltiplas. Todas as pessoas eram a mesma pessoa, embora as mesmas sensações fossem expressas de maneiras diferentes.
Ao dobrarem a esquina, as identidades unificavam-se. Era algo mais ou menos assim. Todas as multifacetações resultavam numa espécie de homogeneidade criada por moléculas de número infinito, e já não havia diferença alguma.
Na última esquina do quarteirão, a perplexidade foi inevitável. A sólida avenida entre um quarteirão e outro havia desaparecido, e, do outro lado, o que havia era um trigal tão grande que o olhar não conseguia enxergar o seu fim. A distância entre um quarteirão e outro permanecia a mesma, mas a avenida já não era um solo firme e resistente. Uma parte havia se transformado numa areia movediça e outra parte num lamaçal escorregadio e profundo. De um lado, o trigal resplandecente; e, do outro, o olhar paradoxal: assustado e admirado, apavorado e contemplativo.
Lá no fim da avenida, num lugar que se tornou muito distante, havia, entre um lado e outro, uma pedra grande e outras pequenas pedras afastadas uma da outra em uma distância de passos largos. Algumas pedras eram movediças; e outras firmes. Para lá, apenas um encaminhou-se, portando o seu longo casaco e os seus anéis de ouro e prata, abandonados no meio do caminho distante e coberto pela névoa acobreada que surgia atrás dos seus passos, ele atraído pela euforia de cada dia.
Precisava alcançar as pedras, fazer a travessia, descobrir as pedras movediças e delas se desviar, alcançar o trigal, colher o trigo, preparar o pão, se ainda lhe fosse permitido. Precisava que aquela imensa pedra fosse confiável e não se movesse ao fundo, precisava, e contava com pouco tempo, muito pouco tempo.
E eis que, de repente, surpreendeu-se imensamente com o que acabara de ver. Imensamente.