terça-feira, 28 de janeiro de 2020

Palavras (in)visíveis


Capa: Nana Andrade

Desenhos: João Matos


Prefácio, Nuno Ribeiro*

O livro Palavras (In)visíveis de I. Luiz Andrade encontra-se estruturado em torno de dois temas que compõem esta obra poética: a potência plástica da palavra e a capacidade expressiva do silêncio. Com efeito, ao longo do presente livro existem múltiplas instanciações da potencialidade plástica que subjaz à “palavra”. Encontramos um claro exemplo disso no poema “Tempo das Palavras”, em particular nas duas primeiras estrofes deste poema, onde lemos:

Palavras que mudam com o tempo
o sentido
a intenção.
Palavras que um dia tanto foram
que um dia tanto podem
não mais resistir,
inesperadamente.

Palavras que mudam o rumo
de rumo
e deixam fragmentos
- às vezes, felicidades
imagens, lá dentro
um vento.

De acordo com este poema, a palavra é constituída por uma natureza mutável. Conforme nos diz o autor, “as palavras mudam com o tempo”, numa progressiva alteração de “rumo”, isto é, numa constante divisão de sentidos abertos à criação de uma multiplicidade de mundos diversos que são potenciados por essa variedade de sentidos que a palavra pode assumir. É precisamente isso que lemos nos primeiros três versos do poema “A palavra, decisiva”:

A palavra, diversos mundos
penetrante, mistérios tantos
divisora de sentidos.

A palavra constitui-se, desse forma, como algo portador de um carácter ambivalente, isto é, pela capacidade simultânea de um “sim”, possibilitante de uma abertura a uma pluralidade de possibilidades, e de um “não”, inviabilizador dessa mesma proliferação de possibilidades. É, nesse sentido, que devemos ler os três últimos versos do poema “Juras”, que abre o presente livro:

Pela palavra.
O sim.
O não.

O “sim” e “não” que a palavra possibilita correspondem, por conseguinte, à potência plástica que a palavra tem de nos abrir e também ¬fechar o sentido das múltiplas formas de ser que nos são dadas a ver. Acompanhar a potencialidade plástica da palavra significa, dessa forma, ser capaz de encontrar palavras que expliquem as múltiplas variações do ser, as suas múltiplas possibilidades, conforme lemos na exortação presente nos seguintes versos do poema “Atos 5”:

Quem sabe…
encontrar palavras
que expliquem as variações do ser.

No entanto, paralelamente à temática da plasticidade da palavra, o livro Palavras (In)visíveis é constituído por uma evocação recorrente da dimensão expressiva do silêncio. Com efeito, para além da palavra enquanto abertura de uma pluralidade de possibilidades, este livro de I. Luiz Andrade apresenta-nos múltiplas possibilidades expressivas do silêncio. A importância do silêncio na construção poética de Palavras (In)visíveis é precisamente afirmada na segunda quadra do poema “Faces da Poesia”, onde se lê:

Poesia é o silêncio, o olhar, o encontro
palavras girando na memória.
São os impasses da dor, fantasia
as cores do dia, coisas do amor.

Este trecho estabelece uma explícita relação entre a “Poesia” e o “silêncio”, apontando para um carácter fecundo do silêncio enquanto portador de modalidades poéticas expressivas, tema que é evocado no poema “Silêncio (in)fecundo”, onde lemos:

O silêncio das horas indecifráveis
as horas silenciadas pelas perguntas
sem respostas,
perdidas.
Falta de palavras,
elas que definem o vazio
- que não é infecundo.

Toda esta evocação do carácter fecundo do silêncio, enquanto portador de múltiplas potencialidades expressivas, encontra um dos seus pontos culminantes no poema “Presença silenciada”, onde o autor nos diz:

Alguns silêncios são desconhecidos
e tornam-se íntimos
a presença silenciada
sabe-se lá se outros amores
sabe-se lá se amores antigos
sabe-se lá se por nada.

Alguns silêncios são conhecidos
sabe-se lá se um outro Eu
um que precisava existir
e nunca,

sabe-se lá!

Todos os elementos que temos vindo a apresentar permitem-nos compreender de que forma a poética de Palavras (In)visíveis se encontra alicerçada entre a expressividade do silêncio e a força plástica das palavras, ao mesmo tempo que nos possibilitam afirmar que este livro de I. Luiz Andrade se constitui como um importante contributo para Poesia de língua portuguesa.

*Especialista no espólio de Fernando Pessoa e pós-doutorando do IELT – Instituto de Estudos de Literatura e Tradição –¬ (FSCH, UNL). Autor de edições e estudos sobre a obra de Fernando Pessoa, publicados na Europa, no Brasil e nos Estados Unidos. Coordena, em conjunto com Cláudia Souza, a «Coleção Pessoana» na Apenas Livros. Contacto: nuno.f.ribeiro@sapo.pt

Livro disponível nas versões ebook e física. www.amazon.com.br, www.amazon.com e demais lojas Amazon.

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